O interesse da Google na empresa de deteção e prevenção de cibertaques Mandiant, fundada por um antigo funcionário do Pentágono e conhecida pelas suas ligações aos serviços de inteligência, é reveladora de um novo ambiente internacional de negócios onde a procura por serviços de proteção de dados supera largamente a oferta.

A importância da operação de 5,4 mil milhões de dólares, a segunda maior de sempre da rainha da publicidade online, foi estranhamente subestimada. Reduzir o negócio a um esforço de diversificar receitas e de encurtar distâncias para a Amazon e a Microsoft no mercado de armazenamento em nuvem é passar ao lado do fundamental: a Google, que ainda há três meses comprara a startup israelita de cibersegurança Siemplify, deu mais um passo para se converter num vendedor global de segurança.

Os media e os próprios analistas parecem ter prestado pouca atenção ao real valor daquilo que foi comprado, considerando o atual contexto geopolítico. A notoriedade conquistada pelo fundador e CEO da Mandiant, que na última década se transformou no salva-vidas para quem os diretores de grandes empresas e agências governamentais telefonam quando são alvo de ciberataques sofisticados, é de tal ordem que Kevin Mandia já foi comparado a Mr. Wolf, do filme “Pulp Fiction”, emblemático solucionador de problemas e especialista em apagar o rasto dos crimes que tem de resolver.

Com efeito, as intervenções de Mandia têm-se cruzado com a história. Foi ele quem em 2013 acusou publicamente uma unidade secreta do exército chinês de levar a cabo uma longa série infiltrações em empresas norte-americanas, quase todas elas de sectores considerados estratégicos pelos planos quinquenais de Pequim. Mais recentemente, participou na investigação ao ransomware de cinco milhões de dólares, alegadamente pagos em criptomoedas, que paralisou a maior rede de oleodutos dos EUA e obrigou o Presidente Biden a declarar o estado de emergência.

Mas além de reputação e experiência em forense digital, a Mandiant oferece tecnologia de ponta que está a transformar o sector da cibersegurança: inteligência artificial. Em virtude do crescimento exponencial dos ciberataques e do próprio enfrentamento entre grandes potências, em cenários como a Ucrânia, a segurança converteu-se numa prioridade para os clientes de plataformas como a Google, sejam particulares, empresas ou entidades públicas. Mais do que permitir o armazenamento de dados em grande escala e a baixo custo, passou a ser imperativo garantir a inviolabilidade da informação.

Ora, as nuvens de dados tornaram-se de tal maneira descomunais e dispersas por tantos pontos do mundo que mesmo o mais treinado dos olhos humanos já não consegue antecipar, detetar e resolver movimentos suspeitos a tempo e horas. A vigilância de todos esses exabytes de segredos de Estado, de informação corporativa privilegiada, de comunicações pessoais do cidadão comum, só é possível com recurso a inteligência artificial – precisamente uma das especialidades da Mandiant. Trata-se de um bem tão valioso e escasso que até uma gigante como a Google, que desenhara uma solução interna de cibersegurança chamada Chronicle, sentiu necessidade de ir às compras. Mas não foi a única.

Aquisições recentes como a da Proofpoint, especialista em proteção de email, por 12 mil milhões de dólares, e da Avast, conhecida pelos seus programas antivírus, por oito mil milhões de dólares, indiciam um movimento de consolidação no setor, que muito em breve poderá conhecer novos episódios. Aliás, o próprio comportamento da bolsa dá mostras do forte apetite dos investidores. No último ano, por exemplo, ETF como o First Trust NASDAQ Cybersecurity, que inclui a Mandiant, bateram largamente o mercado com uma valorização de 20%.