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Desde os dados à segurança: tecnologia cresce no sector

O recurso a ferramentas assentes na inteligência artificial, machine learning ou plataformas colaborativas acelerou durante a pandemia e confere ganhos de eficiência, além de uma segurança reforçada às firmas e aos seus clientes.
20 Fevereiro 2022, 16h00

A inovação e digitalização são tendências às quais não foge a advocacia, que tem implementado soluções disruptivas para a gestão de informação, aumento da segurança ou procedimentos internos como a contagem de horas. Além disso, a pandemia fortaleceu o recurso a ferramentas de marcação de atendimento ou validação de documentos à distância, de forma a cumprir com as restrições em vigor nos últimos dois anos, alterando a relação dos escritórios e dos advogados com os seus clientes e com as entidades públicas na esfera do Direito. Ferramentas como a inteligência artificial (IA), machine learning ou plataformas colaborativas vieram para ficar num sector por vezes resistente a mudanças, mas onde a quantidade crescente de informação e a sua complexidade obrigam ao recurso a tecnologias pioneiras.

O direito tem acompanhado a evolução da tecnologia, quer no enquadramento jurídico necessário a ferramentas e métodos inovadores, quer na utilização dessas mesmas técnicas na prática. Assim, a tecnologia aplicada ao direito visa sobretudo agilizar processos e gerir informação, conferindo ganhos competitivos às sociedades que recorrem à mesma, com a pandemia a desempenhar um papel importante na aceleração deste processo.

Apesar da digitalização do sector jurídico ser uma tendência que se verificava há já alguns anos, refere Carlos Coelho, diretor de Inovação e Conhecimento da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MGLTS), a Covid-19 representou “um salto significativo que levou a uma adoção massificada de ferramentas que suportam a atividade que, até então, eram consideradas pouco úteis”.

“A incorporação de tecnologia nos processos internos de trabalho das sociedades de advogados é inevitável, a competitividade no sector é crescente e as vantagens comparativas entre as sociedades e os seus profissionais terão cada vez maior importância”, continua, lembrando as alterações aos métodos de trabalho que esta confere, “sobretudo em tarefas que os advogados despendem muito do seu tempo sem que o cliente as valorize particularmente”.

A vertente mais óbvia em que as tecnologias da informação têm um papel relevante é precisamente na gestão e processamento de dados. A quantidade de informação gerada pela esmagadora maioria dos sectores tem conhecido aumentos exponenciais nos últimos anos, o que impossibilita, em termos práticos, uma análise humana que acompanhe a produção de dados, explica Carlos Coelho.

Por outro lado, também a própria elaboração e redação de documentos torna-se mais eficiente, com a possibilidade de “criação de minutas base e a sua automatização”, sendo que os ganhos são extensíveis à gestão de transações, onde “ferramentas que permitem a participação colaborativa de todos os intervenientes na transação” substituem as tradicionais checklists e procedimentos manuais.

Mas o impacto da Covid-19 fez-se sentir mais na interação entre os vários agentes, quer advogados, clientes e/ou instituições públicas. Filipa Pinto de Carvalho, cofundadora e managing partner da AGPC, destaca o “surgimento de ferramentas que permitem a automação de vários passos no âmbito de um determinado processo e que criam condições para que haja troca de informação de forma fiável, substituindo a necessidade de interações presenciais, ou seja, de deslocações aos serviços públicos e outras entidades”. Esta possibilidade num contexto de contactos limitados foi um ganho claro e a adoção de um novo paradigma de trabalho.

Inovação requer formação
Sendo tecnologias recentes e disruptivas, a “parametrização e supervisão destes programas requer a intervenção e dedicação de advogados com profundo conhecimento jurídico nas áreas relevantes”, afirma Maria João Ricou, managing partner da Cuatrecasas em Portugal. Como tal, a firma investe em “programas de formação interna como o ‘Legal +’ e ‘Digital Skills for Lawyers’, da nossa aceleradora de startups ‘Cuatrecasas Acelera’ e do seu programa de Open Innovation, com a adoção de alguns programas informáticos baseados em IA e machine learning para os mais diversos fins”.

Isto permite, por exemplo, facilitar o “registo das horas que cada advogado dedica a cada assunto e cliente” através de uma ferramenta “fruto da aposta em Open Innovation e no âmbito do programa Fast Track do ‘Cuatrecasas Acelera’”, ilustra Maria João Ricou, olhando para os procedimentos internos do escritório.

Por outro lado, no que respeita à gestão de informação, a firma dispõe do CAKE, ou Cuatrecasas Automated Knowledge Experience, que se desenvolve ao longo de duas vertentes: “a da automatização de documentos de uso frequente e complexidade jurídica baixa com o objetivo de assegurar os mais altos níveis de qualidade, consistência e eficiência; e a da automatização de documentos de, ou para, processos judiciais coletivos e ações populares”.

Estes juntam-se, continua Maria João Ricou, com o KIRA, que “identifica e extrai informação para e de contratos de arrendamento e extrai ainda ficheiros de bancos para preenchimento de formulários”, ou o doXray, que “permite a extração de 50 entidades (termos-chave) de notas de registo de propriedades e a análise de grandes volumes de informação (entre 500 e 10.000 documentos)”.

Segurança é outra das prioridades
Outra dimensão onde a tecnologia tem um papel fulcral no âmbito do Direito é a segurança. Seja na validação de documentos, na deteção de fraudes ou na salvaguarda da privacidade dos dados referentes aos clientes, as tecnologias da informação têm uma importância crescente na resistência e agilidade do sector.

“Várias funções poderão ser realizadas pelas novas ferramentas tecnológicas como a triagem e detecção de elementos úteis e informações específicas, o cruzamento e confirmação de informação para garantir a sua coerência ao longo de vários documentos, a identificação de red flags e possíveis fraudes, a realização de due diligence em distintos processos, a confirmação e reconhecimento da autenticidade de documentos e identidades”, começa por ilustrar Filipa Pinto de Carvalho.

No caso da Cuatrecasas, várias destas ferramentas estão já a uso, conta Maria João Ricou. A firma desenvolveu recentemente uma aplicação baseada em inteligência artificial “que anonimiza todos os dados pessoais nos documentos da nossa base de dados de conhecimento, garantindo assim o cumprimento pleno do Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD)”, uma preocupação cada vez mais premente na generalidade das empresas e junto dos consumidores.
“Também implementámos o ‘Find-All’, um motor de busca de última geração que permite aos nossos profissionais o acesso a todo o conhecimento jurídico que seja útil para prestarem a sua assessoria com toda a qualidade e máxima prontidão”, continua a managing partner do escritório baseado em Lisboa.

Para o futuro, a Cuatrecasas tem já planeado o próximo passo. Numa fase já de prova de conceito, a firma tem vindo a implementar uma “tecnologia para a extração de entidades (entity extraction ou busca de termos-chave) em conteúdos de vídeo (com acesso a cerca de 20.000 julgamentos), com busca por tópico ou por pessoa”, explica Maria João Ricou.

O objetivo passa sempre por ganhos de eficiência que libertem os advogados para tarefas inerentemente humanas, capacitando-os de mais e melhor informação que permita uma tomada de decisão mais informada e acertada.

“A tecnologia deve ser aproveitada como uma oportunidade e não como uma ameaça, uma vez que esta não pretende substituir o advogado, nem é essa a sua função. A tecnologia e a profissão devem andar alinhadas de forma a melhor posicionar o advogado como trusted advisor”, remata Carlos Coelho.

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