Alguns leitores sentiram-se incomodados com uma crónica que escrevi nesta coluna há pouco tempo. A razão do seu desconforto, expressa nos comentários ao artigo, foi a transcrição que fiz de umas pequenas entrevistas com estudantes Erasmus, oriundos de vários continentes, que encontrei num site dedicado aos muitos imigrantes franceses que vivem em Lisboa.

Pude, posteriormente, reconfirmar em diversas ocasiões e contextos que o aqueles estudantes disseram é facilmente observável nas mais diversas situações do dia a dia. Basicamente, disseram que os portugueses são lentos. De facto, não é preciso ter vivido no estrangeiro ou ter estudo física quântica para se conhecer este penoso facto do nosso quotidiano. É tudo difícil, complicado, quantas vezes totalmente impossível de mudar ou fazer. É a nossa cruz.  Escrevi há uns 20 anos um artigo no Semanário Económico sobre este fenómeno: o “complicómetro” português. O problema é que não foi ainda descoberto um “descomplicómetro”.

Um empresário meu amigo, que exporta para todo o mundo a maior parte da sua produção de equipamentos eletrónicos muito especializados, contou-me há dias o desabafo de um seu cliente alemão de Munique: “Vocês, portugueses, são bons a resolver problemas. Mas também são bons a criar problemas”. Este meu amigo tem muito boa reputação, é muito bom naquilo que faz, a resolver problemas e a criar soluções tecnológicas. Mesmo assim teve ouvir esta por tabela.

A verdade é que não nos livramos da reputação, por mais que o Presidente da República proclame por todo o mundo que “os portugueses são bons”. É preciso, em primeiro lugar, que os portugueses, eles mesmos, acreditem que somos bons e isso só se consegue adquirindo continuada e sustentada prática de excelência e exigência que faça parte do modus vivendi da nação, dos seus valores e cultura, o que desde logo exclui a nossa típica condescendência com a lentidão, o sofrível, a incompetência, o desleixo e a corrupção.

Só a prática pode justificar a asserção de que somos bons. E demora muitos anos, mesmo muitos, a dar a conhecer que mudámos a prática e a mudar a imagem de um qualquer país no estrangeiro.

É verdade que há muitas empresas portuguesas que são muito boas, e é a essas que o Presidente se refere, tentando que outros sigam o exemplo. Mas esses bons exemplos não bastam, não são suficientes. E há o Estado, que é a lentidão por excelência e que marca toda a reputação. Não posso, a este propósito, evitar a analogia com o mundo empresarial. Uma marca (brand), para ter sucesso, tem primeiro de ser estimada pelos empregados da respetiva empresa (hoje chamados “colaboradores”). Os empregados têm, voluntariamente, de “vestir a camisola” e têm de transmitir de dentro para fora da empresa que estão orgulhosos em trabalhar nessa empresa.

A pergunta clássica é “tem orgulho em trabalhar nesta empresa?”.  Eles serão os primeiros arautos da marca e os decisivos comunicadores sobre a razão porque aquela empresa, ou seus produtos ou serviços, são recomendáveis a amigos e familiares (a chamada ultimate question). Este é um tema desenvolvido na disciplina cultura empresarial e nas que abordam a lealdade dos clientes e a sua relação com o desempenho empresarial. É uma boa escola.

Passa-se os mesmo com os países. À exceção dos britânicos, que gostam de exibir self-deprecation (será que com o Brexit ainda gostam?), os portugueses têm dificuldade em explicar a estrangeiros porque e em quê “somos bons”. Look, temos uma empresa líder em rolhas de cortiça, por exemplo. Uhm… sociedade ainda agrária, low tech, pensam (erradamente).

O problema é que não há um grande exemplo de renome internacional, tipo Lego, nem somos conhecidos por uma atividade, por um determinado cluster, como outros o são pelos relógios ou chocolates, coisas de qualidade consumidas por milhões de pessoas e que quase toda a gente conhece (qualidade suíça, etc.). Também há a via histórica, os Descobrimentos, o Vasco da Gama, mas pode ser política e religiosamente contestada, e sê-lo-á quanto maior for o conhecimento de como foi feita essa expansão e porque, entretanto, os valores mudaram para os heróis da tecnologia. Ou será que com o escândalo Facebook vão regressar valores do passado?

O que me chamou mais a atenção em tempos recentes foi conhecer a rapidez de raciocínio e de execução de muitos jovens europeus e de outros países que vêm trabalhar para Portugal. Não são génios, têm escolaridade universitária ou politécnica, mas são ensinados deste a creche a pensar depressa e a fazer depressa. Com cronómetro. Alguns são estonteantemente rápidos. Ou seja, depressa e bem – há muitos quem.

Este tipo de atitude e comportamento práticos perante a execução de tarefas e resolução de problemas já lhes está na massa do sangue, faz parte da cultura básica. Confesso que não sei o que se passa nas creches e escolas primárias portuguesas, mas sei que em algumas escolas estrangeiras em Portugal este tipo de skill é incutido e trabalhado nas crianças desde tenra idade.

Os portugueses têm de desligar o complicómetro para “todo o sempre”, como agora dizem as crianças, e ser mais rápidos a encontrar e executar soluções para resolver problemas – sem criar novos.