Sem me limitar aos domínios da ética e ao Governo, nunca pensei que seria possível que o debate político em Portugal descesse tão baixo.

O país está entretido a assistir à telenovela em que se tornou a Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão Política da TAP, e aos rocambolescos desenvolvimentos e detalhes que diariamente são escalpelizados pelos membros da Comissão e por batalhões de comentadores.

Prescindo de relatar a situação. A mesma tem sido diariamente actualizada com detalhes e versões para todos os gostos. Evidentemente que este espectáculo tem tudo para chamar a atenção do público. O problema, para mim, não é esse, mas sim a forma como a discussão está a ser conduzida.

O Governo tem demonstrado uma incrível falta de habilidade e bom senso. Questões como a indemnização paga a Alexandra Reis, que despoletou todo o tema, ou da reunião preparatória com o Grupo Parlamentar do PS, em que a CEO da TAP participou, deveriam ter tido respostas convictas, ou deveria ter sido logo reconhecido que se tratava de actuações erradas. Mas o Governo optou por uma defesa frouxa, que revela mais medo das aparências do que das consequências. Esta é uma atitude profundamente errada. As aparências aceitam-se, ou negam-se, não se podem combater. Infelizmente, o normal é tentar combatê-las.

A oposição, consciente da dificuldade com que o Governo lida com as aparências, tem aproveitado da gestão desastrada que o Governo tem feito do tema para lhe criar embaraços adicionais e mais uma aparência – a de que está em causa o regular funcionamento das instituições, tentando levar o Presidente da República a usar o poder, tão citado nos últimos tempos, de dissolução da Assembleia da República. Mas é só uma aparência. O relacionamento entre os órgãos de soberania sob a Constituição de 1976 tem sido tanto confrontacional como de colaboração, e não me parece que se possa concluir que no momento actual seja manifestamente diferente de muitos outros momentos.

O grande problema nacional, a meu ver, é estarmos demasiadamente entretidos com este triste espectáculo que nos impede de dar atenção ao verdadeiro assunto que nos deveria preocupar: que Portugal queremos para o futuro, e como lá chegar.

Urge discutir o paradigma de desenvolvimento que queremos para Portugal; temas tão relevantes como quais as actividades fundamentais a desenvolver, impulsionar e descontinuar nos domínios económico e social; como definir as missões e funções que o Estado deve assumir na sociedade, respeitando a separação de poderes; qual a organização e dimensão que deve ter para esse efeito, ao nível central, regional e autárquico; que relacionamento estabelecer com outros intervenientes, aos diferentes níveis; como reformular e dinamizar a configuração das organizações políticas para incentivar a sociedade, prestigiar o exercício da função política levar os cidadãos a uma participação activa nesse debate e na implementação das conclusões que daí resultarem.

Não se nota, porém, que qualquer dos lados tenha consciência da relevância de organizar esse debate onde, tal como no exercício das funções de responsabilidade política, as ideologias são essenciais porque traduzem a diversidade de visões de organização da sociedade. Sem o confronto ideológico não se pode sintetizar um modelo que seja compatível com a democracia representativa, que garanta o dinamismo necessário para que a alternância induza ao desenvolvimento e ao progresso. Sem ideologia as decisões são orientadas unicamente por meros critérios de gestão. É curto. Os países são para ser governados, não para ser geridos.

Compete ao Governo preparar essa discussão. Mas não o pode fazer sem assumir o controlo da agenda política. António Costa mostrou que percebe a importância de ter esse controlo ao relembrar que a iniciativa de propor a nomeação ou exoneração dos membros do Governo compete ao primeiro-ministro, reafirmando a natureza semi-parlamentar do regime. Mas criou também a expectativa de que alguma coisa terá de mudar quando a Comissão Parlamentar de Inquérito produzir as suas conclusões, e com isso a oportunidade. Aguarda-se.

A oposição deveria procurar suprir a falta de iniciativa do Governo de desencadear esse debate, apresentando propostas e ideias concretas, e não apenas aproveitando oportunidades casuísticas para emitir soundbites acusatórios e propagandísticos. Infelizmente, até agora não mostrou capacidade de articulação, de gerar propostas e ideias que possam ser analisadas e comentadas. Penso que não basta ao líder da oposição que anuncie que tudo está mal e que está pronto para eleições. É necessário que mostre um programa de acções concretas, que traduza uma visão de futuro, e que corporize uma alternativa eficaz. Aguarda-se também.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.