A ideia de que a parcela do rendimento nacional recebida pelo trabalho se mantém constante durante longos períodos marcou a teoria económica até há pouco tempo. Nicholas Kaldor, economista húngaro da Universidade de Cambridge, analisando dados para os EUA e Reino Unido, concluiu que, em média, os salários absorveriam cerca de 2/3 do rendimento total, correspondendo o restante a lucros.

As economias desenvolvidas cresceriam a 2% por ano impulsionadas por aumentos da produtividade da mesma grandeza, o que permitiria que salários e lucros crescessem também a este ritmo.

Estava-se a meio do século XX e Kaldor não preveria que a participação dos salários no rendimento nacional descreveria uma descida pronunciada, nem pode assim antecipar a subida da desigualdade que viria a abrandar o crescimento das economias.

A crise petrolífera dos anos de 1970 e o consequente declínio na produtividade representariam o primeiro confronto destas ideias com a realidade. Mas é na década de 1980 que os factos de Kaldor são destronados quando o crescimento da produtividade se desvincula do dos salários e se inicia a queda da parcela do rendimento destinada à remuneração do trabalho.

Entre os G20 esta fração passou de 65% nos anos de 1960 para 56% na atualidade em termos do PIB medido a preços de mercado, segundo dados da OCDE. No seu World Economic Outlook de 2017, o FMI refere até que este fenómeno se estende já às economias emergentes. Para estas instituições, a globalização e a mudança tecnológica, os mercados financeiros, a perda de poder dos sindicatos, ou o desemprego estão entre os fatores explicativos da evolução registada.

O McKinsey Global Institute justifica a descida desta quota nos EUA em tendências como a descida do preço do investimento, que levou à substituição dos trabalhadores por máquinas, a competição à escala global e a perda de poder das instituições laborais, como sindicatos. Mas mais importantes terão sido a depreciação acelerada do capital intangível, cada vez mais usado na produção, ou o poder de mercado exercido pelas chamadas empresas superstar, normalmente ligadas ao conhecimento e que detêm parcelas de lucros superiores à média. Ciclos económicos pronunciados em que ocorre o aumento do preço de mercadorias estratégicas como matérias-primas também entram na explicação.

Autores como Thomas Piketty têm referido como parcelas de lucros maiores (a contrapartida de quotas de salários menores) estão associadas a maior desigualdade na distribuição do rendimento. Não será assim por acaso que esta terá inaugurado a sua escalada também nos anos de 1980.

E desengane-se quem pensa que tudo se resume a um mero problema de dicotomia entre ricos e pobres ou a uma discussão sobre justiça social por um grupo de bem-intencionados. A descida dos salários diminui os níveis de consumo e com estes o investimento, pondo em causa o papel da procura enquanto estímulo ao crescimento económico. O desacelerar recente das economias avançadas (de que o Japão é um bom exemplo) pode ser sobretudo o resultado da afirmação de um modelo económico baseado na concentração do capital e da riqueza que comprime a classe média e a sua capacidade de dinamizar a economia.

E é incontornável a analogia com o burro que, quando estava mesmo habituado a passar fome, deu em morrer, o desalmado.