A origem etimológica do nepotismo deriva do termo latino nepos que significava neto ou descendente e que historicamente qualificou o procedimento que os Papas seguiam para atribuir posições na hierarquia eclesiástica aos seus familiares.

Actualmente, significa a prática de favorecimento de familiares ou amigos na atribuição de cargos ou privilégios por parte de um detentor de um cargo público ou de alguém com uma posição de poder. Existe tal prática, nas empresas, sobretudo nas empresas familiares, nas universidades, no poder autárquico e, hoje em dia, no poder político. É uma prática não prevista na lei, apenas censurada ética, moral ou politicamente.

O grande argumento utilizado pelos nepotistas é que ninguém pode ser prejudicado na sua vida profissional pelos laços familiares que não pode deixar de ter.

Concordo, em termos teóricos, com este princípio, mas apenas na perspectiva do “neto”, não tanto na perspectiva do nepotista. Todavia, temos de ser muito criteriosos na aplicação deste princípio. Rodeá-lo de especiais cautelas, de procedimentos de escolha do melhor candidato, transparentes, iguais para todos, com critérios de selecção justos e objectivos e sujeitos e escrutínio externo, tanto maiores quanto o seu financiamento ser ou não público.

Vejamos os três exemplos de nepotismo frequente na nossa sociedade e apliquemos os tais princípios.

Nas empresas familiares é comum ver os filhos e os netos do patrão serem alcandorados a CEO das empresas, muitas das vezes por mérito, outras nem tanto. A prática é perniciosa e perigosa e as regras modernas do corporate governance (e com cabimento legal) exigem competência técnica e disponibilidade àqueles que irão gerir uma empresa. E podemos sempre dizer que tratando-se de empresas familiares, apenas os accionistas serão, em última análise, os grandes prejudicados.

Não é verdade, todos os restantes stakeholders podem ser gravemente prejudicados: trabalhadores, credores e o próprio Estado podem ser prejudicados. Já o financiamento das empresas não é público, é privado, quer por capitais próprios, quer por financiamentos, e isso pode justificar algum nepotismo.

Por exemplo na banca, o nepotismo sem mérito já não é possível, pois as regras do “fit and proper” isso impedem ou dificultam, e bem. É célebre a história (verdadeira ou não) em que o Banco de Portugal escreveu a um famoso banqueiro indagando das razões de nomeação de um administrador de um banco, de capital privado, ao que o banqueiro terá respondido com um lacónico “é meu neto”. Isso hoje já não seria permitido.

Nas universidades é comum ver os nomes de família dos professores catedráticos que se sucedem, evidenciando um potencial nepotismo. Todavia, é certo e sabido que essa progressão na carreira académica é sujeita a elevados padrões de competência e conhecimento, sujeita a provas duras e em que o mérito é sindicado pelos seus pares. É um caso paradigmático da situação de que o “neto” não tem culpa dos seus laços familiares.

E nos cargos públicos e na função pública? Aqui os parâmetros são totalmente distintos, desde logo, pelo financiamento público, por serem chamados os contribuintes a suportar estes casos de nepotismo. Se os “netos” são bons profissionalmente, bons tecnicamente, se valem pelo seu próprio mérito, certamente não terão dificuldade em arranjar, pelas suas capacidades, um emprego no sector privado.

Os organismos públicos e políticos devem criar mecanismos e procedimentos públicos de selecção, obedecendo aos princípios da transparência (avisos públicos da abertura da vaga), fixar condições de absoluta igualdade a todos os candidatos, fixar critérios justos e objectivos (onde o parentesco e amiguismo devem ficar de fora), garantir a independência de quem a nomeia se isso for um critério legal, e, finalmente, sujeitar tais candidatos (que não têm culpa dos laços familiares) a um escrutínio externo (provas públicas, CRESAP e crítica externa e independente).

Foi isto que, por exemplo, não se fez na nomeação do comissário político Adão e Silva. Porque é que não se lançou um concurso público para escolha de um nome indiscutível? Porque é que não se ouviram todos os partidos políticos sobre essa nomeação?

Foi isto que não se fez na nomeação do ex-ministro das finanças Centeno para o Banco de Portugal.

Foi isto que não se fez na nomeação da ex-ministra e mulher do actual ministro Cabrita para tutelar a AML, entidade reguladora de um sector que deve legalmente ser independente. Aliás, se bem me lembro esta Senhora, quando secretária de Estado dos Transportes, praticou o nepotismo. É, portanto, uma prática familiar.

Foi isto que se fez, e bem, não fosse o saloísmo nacional de elencar como critério (ilegal, aliás) ser estrangeiro, na selecção do futuro CEO da TAP. Portugal tem de deixar de ser o país da cultura da cunha e do nepotismo!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.