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Adidas vs Puma. Dois irmãos chatearam-se para o resto da vida e criaram duas das maiores marcas desportivas mundiais

Dois irmãos alemães, um deles conhecido por ser uma espécie de Casanova e que foi preso na segunda guerra mundial e o outro convenceu Jesse Owens a calçar a sua marca nos Jogos Olímpicos de Berlim, chatearam-se e criaram duas das maiores marcas deportivas mundiais. Uma delas vai passar a equipar a seleção portuguesa a partir de 2025.
7 Junho 2023, 12h31

Reza a lenda que 75 anos depois da zanga dos irmãos Dassler, uma pequena cidade alemã na Baviera ainda continua dividida. No lado norte do rio Aurach, ficavam as instalações da Adidas e os seus apoiantes; no lado sul, ficava a Puma.

Os irmãos eram Adolf (Adi) Dassler, criador da Adidas, e Rudolf (Rudi) Dassler que criou a Puma, que vai passar a equipar a seleção portuguesa de futebol a partir de 2025, substituindo a Nike.

A separação e zanga foram tão amargas que os irmãos continuaram zangados até morrerem: os seus corpos foram enterrados em lados opostos do cemitério de Herzogenaurach.

Inicialmente, começaram por fabricar ténis de forma artesenal na lavandaria na casa dos seus pais. Mais tarde, criaram uma fábrica de sapatos desportivos em 1919, com o nome de Gebrüder Dassler, ou Geda. O seu grande momento teve lugar nos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim. Os atletas equipados pelos irmãos receberam sete medalhas de ouro e cinco de prata e bronze: entre eles estava Jesse Owens, o atleta negro norte-americano que venceu quatro medalhas de ouro perante Adolf Hitler que falhou totalmente na sua tentativa de mostrar a alegada superioridade ariana ao mundo. Adi foi o responsável por Jesse Owens ter calçado os ténis da marca, apesar de os nazis não verem com bons olhos os atletas de outras raças.

As razões para a zanga nunca foram reveladas, mas, primeira hipótese, pode estar relacionado com um irmão ter tido um caso amoroso com a mulher do outro, pelo menos é o rumor que ainda hoje persiste entre os habitantes de Herzogenaurach no estado alemão da Baviera, como conta a “Esquire”. Aparentemente, Adolf tinha ciumes do seu irmão, que era conhecido por ter muito sucesso junto do sexo feminino, e poderá ter tido lugar uma relação extra-conjugal entre Rudi e a mulher de Adi, detalha a “Business Insider”.

Outra das lendas, segunda hipótese, é que os dois irmaos tinham diferenças criativas irreconviliáveis: Adi era o criativo que desenhava os ténis e Rudi era mais vocacionado para as vendas.

O terceiro rumor é que as mulheres dos dois irmãos odiavam-se, o que acabou por criar muito mau ambiente, e eventualmente forçar a separação da empresa.

Mas há uma quarta teoria. Com a chegada da segunda guerra mundial, os irmãos foram obrigados a transformar a fábrica de sapatos numa de fabrico de armas. Rudi foi recrutado para o exército alemão e Adi ficou a tomar conta da fábrica.  Rudi acabou por desertar do exército alemão e foi preso no seu regresso por soldados dos EUA, tendo ficado preso até um ano após o fim da guerra, após Adi ter dado informações sobre o seu paradeiro, com o objetivo de o arredar do negócio familiar.

Há um lado negativo nesta história: os dois irmãos juntaram-se ao partido Nazi na década de 30, tal como muitos outros alemães. Mas foram investigados pelos aliados durante o período de desnazificação do país após o final da guerra e foram ilibados

“A empresa não fez nada de crucial para o programa Nazi até ser convertida para produzir munições durante a guerra. A empresa quase certamente que não produzia as munições”, destacou Peter Hayes, citado pela “Time”, professor universitário da Northwestern University nos EUA.

Seja como for, quando Rudi regressou a casa após ter estado preso, a produção de sapatos na fábrica foi retomada. Já a separação teve lugar em 1948: Rudi criou uma marca chamada RUDA antes de mudar o nome para Puma, que vai passar a equipar a seleção portuguesa de futebol a partir de 2025, substituindo a Nike que sai ao fim de 27 anos. Já Adolf criou a Adidas (a partir do seu diminutivo Adi e do nome familiar Dassler).

“A relação com o meu irmão foi ideal de 1924 a 1933. Então a sua jovem mulher tentou interferir nos negócios. Apesar de ela, com 16 anos, não ter nenhuma experiência, e a guerra começou”, disse Rudolf Dassler, citado pela “Vice”, no livro de Barbara Smit, Sneaker Wars: The Enemy Brothers Who Founded Adidas and Puma and the Family Feud That Forever Changed the Business of Sports.

Durante a vida terão cruzado-se mais algumas vezes: no aeroporto de Frankfurt e num hotel em Nuremberga. Quando estava a morrer em 1974, Rudi convidou o seu irmão a visitá-lo no seu leito de morte, mas Adi recusou.

A rivalidade era tão grande que uma cidade tão pequena tinha duas equipas de futebol, cada uma patrocinada por duas multinacionais desportivas. A 1 FC Herzogenaurach é patrocinada pela Puma, enquanto a Adidas patrocinou a ASV Herzogenaurach.

As famílias de Adi e Dassler iam a padarias diferentes, talhos diferentes e bares diferentes. E casais a trabalharem para empresas diferentes? Nem pensar nisso.

“A ideia de trablhadores da Adidas irem a uma loja frequentada por trabalhadores da Puma não passava pela cabeça de ninguém. O rio separava mesmo a cidade”, conta Michael Dassler, neto de Rudi, à “Insider”. “Na nossa casa, o nome Adidas nunca era pronunciado”, recorda sobre a sua infância.

A rivalidade acalmou nos anos 90, à medida que os herdeiros de Adi e Rudi foram saindo da Adidas e da Puma. Antes disso, já tinha havido um alívio na rivalidade na década de 70 quando os irmãos morreram.

Ambas as empresas mantêm instalações na cidade, embora em menor escala, dada a sua atividade internacional. As sedes de ambas as empresas ainda estão aqui sediadas, contando com milhares de trabalhadores, o que também beneficia a cidade

Mas ainda existe uma rivalidade no ar, o que é percetível pela roupa usada pelos mais novos, sendo possível detetar facilmente quem tem família a trabalhar numa ou noutra companhia. Mas, atenção: um dos códigos não escritos, ainda em vigor, é que uma pessoa não pode usar as duas marcas.

“Quando alguém entra, o primeiro olhar ainda vai direito aos ténis”, destacava o autarca German Hacker em 2018 (ainda está no cargo), que sinaliza que Herzogenaurach era conhecida pela “cidade do olhar baixo”. O autarca, que vem de uma família Puma, usa roupas das duas marcas em eventos públicos, para não ferir suscetibilidades.

Após décadas de conflito, as duas empresas realizaram um jogo para fazer as pazes em 2009. Rivalidades locais à parte, a competição continua a decorrer 75 anos depois, mas nos grandes mercados globais.

Para a história, fica o apoio da Puma a vários atletas afro-americanos durante os Jogos Olímpicos de 1968, tal como Tommie Smith e John Carlos que venceram ouro nos 200 metros e fizeram a saudação (conhecida por Black Power Salute) de apoio à causa dos direitos civis dos cidadãos afro-americanos.

Nesses mesmo jogos, representantes da Adidas conseguiram que ténis da Puma fossem apreendidos pelas autoridades mexicanas na fronteira e poderão ter contribuído para a prisão de um representante da Puma, recorda a “Bloomberg”, citando o livro de Barbara Smit. A rivalidade local chegou a alastrar-se para outros pontos do mundo em dados momentos.

Mas as marcas foram evoluindo ao longo das últimas décadas e tornaram-se em duas das maiores marcas deportivas mundiais.

Em 2022, a Puma atingiu um recorde de vendas: subida de 19% para quase 8.500 milhões de euros, com os lucros a atingiram 354 milhões de euros. Já a Adidas registou receitas acima de 22 mil milhões de euros, mais 6%. Mas os seus lucros recuaram mais de 80% para 254 milhões de euros, à boleia da saída da empresa da Rússia e da disputa legal com o artista de hip-hop Kanye West, que teve um impacto negativo de 600 milhões de euros, que produzia a marca Yeezy.

A Nike é de longe a maior companhia desportiva mundial, em termos de vendas, tendo registado vendas acima de 49 mil milhões de dólares em 2022. Segue-se, à distância, a Adidas com vendas de 22 mil milhões de dólares. A Puma surge numa distante terceira posição, com 7,8 mil milhões de dólares.

O ranking da Statista demonstra que várias companhias mais recentes têm vindo a aumentar as suas vendas como a Lululemon (EUA), com vendas de 7,5 mil milhões e na quinta posição, a Under Armour (EUA) com vendas de 5,2 mil milhões, na sexta posição, ou a chinesa Li Ning com vendas de 3,7 mil milhões de dólares, na sétima posição.

A Puma equipa seleções como Marrocos ou Uruguai, equipas como o Marselha ou o RB Leipzig (a partir de 2024), atletas como Neymar, e as seleções de atletismo da Jamaica ou de Portugal.

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