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E depois das cinzas?

Rebeldes e Estado Islâmico ainda controlam grande parte da Síria. Fim da guerra é apenas uma miragem num “deserto devastado”.
  • Reuters
16 Dezembro 2016, 10h07

No meio dos escombros e cinzas em que se tornou a cidade de Alepo, outrora o principal centro comercial e financeiro da Síria, Aisha tomou uma decisão difícil. Mãe de três filhos, fugiu com a família para o sul da cidade quando as forças governamentais de Bashar al-Assad assumiram o controlo do bairro em que morava, depois de bombardeamentos das forças russas. “Ouvimos dizer que o exército estava a prender pessoas”, disse, à cadeia televisiva Al Jazeera. Agora está “contente” porque aguarda que abra uma rota para “ir morar com a família no campo”.

Na Síria, morar no campo tem um significado específico. São áreas ainda controladas por forças rebeldes onde as condições de subsistência são precárias. Há bombardeamentos, falta de comida e saneamento básico. Mas são o refúgio de milhares de pessoas que estão a fugir dos ataques na cidade de Alepo nas últimas semanas, e que evidenciam que o conflito na Síria está para durar.

Como descreveu esta semana a BBC, “enormes faixas do país são um deserto devastado”. Mais de 250 mil pessoas foram mortas desde que o conflito começou em 2011, com protestos contra o reinado de 45 anos da família Assad.

Território dividido
A sangrenta batalha de Alepo foi a primeira vitória de peso do presidente Bashar al-Assad desde que o conflito na Síria teve início, há já cinco anos. Mas dificilmente significará que a guerra civil vai acabar no curto prazo. Embora as forças governamentais dominem agora os principais centros urbanos do país, uma parte considerável do território continua sob domínio das forças rebeldes, para onde grande parte da população está a agora a fugir. O Estado Islâmico tabém continua presente.

“Sem dúvida que Alepo é um grande golpe para a oposição, mas não é um prelúdio para a vitória absoluta, como o regime e seus apoiantes estão a retratar”, afirmou à mesma estação televisiva Sharif Nashashibi, escritor e analista do Médio Oriente.
Alepo era a cidade mais populosa da Síria antes da guerra civil, que funcionava como o centro financeiro do país. E não é apenas a subsistência das forças rebeldes em partes significativas da Síria que traz incerteza quanto à forma como evoluirá o conflito, depois da batalha de Alepo.

As forças do regime, apesar da propaganda de vitória, estão desgastadas por cinco anos de conflito. A recente expulsão das forças de Palmira pelo Estado Islâmico mostrou como as vitórias de Assad são, por vezes, sol de pouca dura.
Como notou a BBC, grande parte do exército sírio está desintegrado em múltiplas milícias, “muitas vezes com preocupações locais ou regionais”. E, com a fuga de combatentes rebeldes, outras localidades sírias podem agora tornar-se palcos de combates intensos.

Queridos inimigos
A maior incógnita de todas é, porventura, a política. Com Obama, os Estados Unidos apostaram em armar rebeldes moderados, e o desfecho de Alepo é um revés para essa estratégia. O novo Presidente Donald Trump, que irá assumir funções em janeiro, terá de lidar com uma escalada de violência e com uma menor capacidade de influenciar uma guerra civil que já leva mais de cinco anos.

O aumento da instabilidade, do extremismo violento e dos fluxos de refugiados e das rivalidades regionais são um risco, segundo a Reuters. “Quem ganhou foi Putin, os iranianos e Assad”, disse à agência noticiosa um alto funcionário americano, que pediu anonimato.

Trump deu sinais de ter uma posição – e uma administração – demasiado amigável face a Putin. Na campanha, chegou a dizer que Putin era melhor líder do que Obama e esta semana nomeou Rex Tillerson, presidente da Exxon Mobil, como secretário de Estado. O novo homem forte da diplomacia externa americana tem ligações empresariais aos russos e chegou a ser condecorado por Putin, em 2013.

A Síria será um teste ao grau de afinidade entre os dois blocos. Mas, se a irascibilidade de Trump é uma grande incógnita no conflito sírio, o calculismo de Putin também gera dúvidas. Quererá a Rússia perpetuar a guerra ou utilizará o desfecho de Alepo para tentar algum tipo de acordo com os americanos? A resposta provavelmente ainda implicará alguns milhares de mortos.

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