A tabela de aumentos salariais da função pública foi divulgada a seguir à proposta de orçamento de Estado para 2024 e balizará os acréscimos no setor privado.

O Governo propôs, e bem, aumentos salariais para todos os trabalhadores, embora diferenciados por escalões de rendimento, com variações a oscilar entre 3 e 6,8%. À primeira vista, esta é uma medida de correção das assimetrias na distribuição do rendimento, reforçada pelas revisões dos escalões mais baixos do IRS.

Só que a proposta resulta num aumento do salário real para trabalhadores com um rendimento bruto mensal muito baixo, próximo do salário mínimo, mas numa diminuição do salário real para os restantes. Três jornalistas do semanário “Expresso” apresentaram um exercício interessante de correção dos salários previstos para 2024 pela inflação que se verifica desde 2021.

Segundo os seus cálculos, os acréscimos propostos pelo Governo representarão perdas reais de 5% para aqueles que auferem rendimentos próximos do salário médio nacional e de 7,8% para os mais qualificados e/ou os que estão no topo das carreiras.

Sim, a desigualdade é um problema grave, com consequências para o crescimento económico e o bem-estar e que não se resolve sem políticas públicas ativas.

Mas as assimetrias têm-se acentuado devido à disparidade entre o rendimento dos muito ricos e o de todos os outros. E a sua resolução é sobretudo dificultada por mecanismos de fuga a impostos, onde assumem protagonismo os offshore e, por maioria de razão, a globalização.

Em Portugal, 9,4% do rendimento gerado no país concentra-se nos 1% mais ricos e 34,8% nos 10% mais ricos (WID, dados para 2021). Estes decréscimos salariais não permitirão corrigir esta situação e têm várias implicações negativas.

Primeiro, em termos macroeconómicos ocorrerá uma diminuição da despesa pública real com salários, com efeitos na contração da procura agregada e do crescimento.

Segundo, estas políticas redistributivas assentam na mesma base contributiva do passado – o rendimento dos trabalhadores dependentes – que já se revelou incapaz de infletir o statu quo em matéria de desigualdade. Com elas, a classe média pode até tornar-se menos desigual, mas os rendimentos de topo acentuarão a sua décalage.

Terceiro, se os que estão no topo da carreira poderão não ter muitos incentivos para mudar, pelas vicissitudes do mercado de trabalho, o sinal será claro para as gerações mais novas – há que procurar soluções noutro lado. É só mais uma política de (e)migrações.

Em suma, são medidas para enganar tolos.