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“Está a falhar a nossa diplomacia económica”, acusa o deputado do PSD, Nuno Carvalho

“A língua portuguesa desempenha um papel importante, mas também devemos saber aproveitar o investimento histórico de empresas portuguesas nos PALOP, que já tem mais de 30, 40 anos”, defende o deputado do PSD, em entrevista exclusiva ao Jornal Económico.
10 Agosto 2021, 08h00

Portugal está a perder as oportunidades que deveria para aproveitar o relacionamento com os PALOP – Países de Língua Oficial Portuguesa e fazer da língua e da diáspora ativos na consolidação de uma diplomacia económica mais forte. Quem o diz é Nuno Carvalho, deputado do PSD, membro, entre outras, da Comissão de Negócios Estrangeiros, que identifica a questão das dívidas soberanas dos países africanos como outro assunto a resolver com urgência. Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Nuno Carvalho aponta a necessidade de ajudar Moçambique em relação à delicada questão do Cabo Delgado e não deixa de tecer críticas ao PRR – Plano de Recuperação e Resiliência. E Nuno Carvalho acrescenta-se ao número de vozes que defende a separação da península de Setúbal da área metropolitana de Lisboa para efeitos de atribuição de fundos comunitários, com mais críticas ao atual Governo.

Num ano em que Portugal assumiu a Presidência da União Europeia, como comenta os resultados da nossa política externa?
Em primeiro lugar, está a falhar a nossa diplomacia económica, que está a fazer falta ao país em termos de definição de grandes prioridades externas. Mesmo tendo em conta a atual situação económica e social do país e do Mundo em geral, e da exceção sanitária devido à pandemia, é fundamental percebermos que a dimensão de Portugal é superada de forma significativa pela nossa globalidade, pela presença das comunidades portuguesas no mundo e pela projeção da nossa língua, por exemplo. E isso é fundamental para, do ponto de vista económico, social e cultural, podermos potenciar as exportações das empresas portuguesas. A questão das comunidades emigrantes portuguesas é muitas vezes subestimada, mas, por exemplo, em 2019 as remessas dos nossos emigrantes equivaleram a cerca de 3,6 mil milhões de euros, segundo um estudo da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. E não ficamos por aqui: só os membros da comunidade portuguesa em França foram responsáveis por gastarem em Portugal, nesse ano, cerca de 900 milhões de euros, só no sector do turismo.

De que forma é que essas remessas dos emigrantes podem ser potenciadas como uma mais-valia para a política externa de Portugal?
Este é um factor de grande estabilidade para a economia portuguesa, além da contribuição para o investimento e para as exportações, com o turismo à cabeça. E ainda mais importante depois de no ano passado termos registado uma contração do PIB – Produto Interno Bruto de 15,4 mil milhões de euros, segundo os últimos dados do INE – Instituto Nacional de Estatística. Por isso, é cada vez mais importante reconhecer a importância que esta vertente tem para o país, para além da sua dimensão geográfica. Mas, claro que o outro ponto importante deste tema são as exportações, para as quais é necessário uma verdadeira diplomacia económica, que não está a existir neste momento.

Porque diz isso?
A ‘troika’ trouxe uma queda do consumo interno e, em consequência, as empresas portuguesas passaram a conquistar mercados externos. Assim, em poucos anos, as exportações passaram de 30% para 44% do PIB. Na sequência desta pandemia, é necessário aplicar medidas de apoio ao consumo e à redinamização do sector do turismo, mas também apoiar as empresas exportadoras, que no tempo da ‘troika’ foi quem acrescentou valor à nossa economia.
Outra questão fundamental é saber se conseguimos tirar proveito em relação aos PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, à nossa posição na CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e influenciarmos de forma decisiva a relação da UE – União Europeia com África.

No seu entender, como é que esses objetivos podem ser conseguidos?
A língua portuguesa desempenha um papel importante, mas também devemos saber aproveitar o investimento histórico de empresas portuguesas nos PALOP, que já tem mais de 30, 40 anos. Considero que, a nível diplomático, não temos colocado os PALOP em particular, e África em geral, nas prioridades da nossa agenda. Basta dizer que no Conselho Europeu, para a qual foi convidado o presidente norte-americano, Joe Biden, as respetivas conclusões não referem nada sobre África, uma situação ainda mais gravosa quando Portugal assumiu nesse período a presidência do Conselho Europeu. Nas conclusões dessa reunião, ficamos sem saber qual é a agenda que Portugal, a UE e os EUA têm para África. Falou-se da China e Rússia e a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia não conseguiu dar relevo à importância geopolítica que África tem para a Europa. E, depois, se olharmos para o investimento que a China tem feito em África, vemos que isso é importante em termos geopolíticos. Apenas 4% do investimento exterior da China se destina a África, mas esse esforço é muito mais significativo do que o efetuado pela UE ou pelos EUA. E assim a China tem ganho influência e estatuto no continente africano, promovendo a infraestruturação do continente africano, em detrimento da Europa e de Portugal. Este pequeno investimento para a China revelou-se muito importante para vários países africanos e por essa via a diplomacia chinesa consegue que muitas votações em diversas organizações internacionais possam contar o apoio destes países.

É essa a grande falha da diplomacia portuguesa em relação aos PALOP?
Outro tema onde Portugal e a Presidência Portuguesa não insistiram foi o problema de endividamento, de pagamento da dívida de vários países africanos. O presidente da União Africana apelou por diversas vezes para uma solução para o pagamento dessa dívida. Mas o problema é que África não tem uma moeda forte, como o euro ou o dólar. E, assim, as economias africanas estão a enfraquecer, a sua dívida aumenta e está a aumentar a distância da economia africana em relação aos outros países e aos outros dois principais blocos económicos internacionais. Por isso, é ainda mais incompreensível que a UE e os EUA não tenham abordado as questões relativas a África, mas torna-se ainda uma maior falha, quando Portugal não tenta sequer incluir esta questão na agenda.

Mas como pensa que deve ser resolvido esse problema da dívida soberana dos países africanos?
Este tema da dívida soberana de vários países africanos acabou por merecer um considerável contributo na cimeira França-África. Não foi uma cimeira promovida pela Presidência Portuguesa, mas sim durante. Ou seja, houve uma solução promovida pela França em que os países beneficiários do acordo alcançado viram o seu direito de saque junto do FMI aumentar de 25 mil milhões de dólares para 100 mil milhões de dólares. Este é um verdadeiro financiamento que alivia vários países africanos, incluindo Angola e Moçambique. Foi um ganho diplomático enorme para França e uma pena não ter sido uma iniciativa da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia. Mas ainda existem desafios relevantes para o futuro da União Europeia, especialmente se conseguir executar o programa de cooperação Europa Global que disponibiliza mais de 80 mil milhões de euros para África, dos quais 30 mil milhões são destinados à África subsariana, e neste aspecto houve um trabalho relevante por parte dos responsáveis pela cooperação internacional portuguesa na construção deste programa.
É também preciso perceber como é que a língua portuguesa é útil no espaço da CPLP. Ao nível do trabalho, da educação, da ciência. É uma ferramenta valiosa no espaço da CPLP.

Como se pode e deve aproveitar o ativo da língua portuguesas para fortalecer as relações de Portugal com os PALOP?
O importante aqui é sabermos como é que nós fazemos com que a língua portuguesa se fortaleça no espaço da CPLP. Segundo o Conselho Estratégico da Cooperação Portuguesa, havia um trabalho fundamental a desenvolver nos próximos dez anos, que passa por fomentar o ensino da língua portuguesa em espaços que existem nos diversos países dos PALOP em que a língua portuguesa ainda não é predominante e onde tem uma margem de progressão muito grande para que as pessoas desses países passem a falar português. Porque a língua portuguesa, nos PALOP é também uma grande ferramenta para os negócios. É o que se passa, por exemplo, junto das fronteiras angolanas. E o PSD recomendou ao Governo que abordasse esse desafio. Há outros pontos importantes em relação à dimensão da língua portuguesa nos PALOP, que é o fator de coesão territorial que fortalece as instituições de um país.

A recente cimeira da CPLP não caminhou nesse sentido?
A Cimeira da CPLP que reuniu recentemente em Luanda consolida passos importantes para concretizar o potencial da língua portuguesa. O acordo consagrado sobre a mobilidade na CPLP pode ter um impacto significativo criando uma lógica mobilidade em quatro continentes. E o desafio de erguer o pilar da economia na CPLP é seguramente a etapa correta e Angola está de parabéns por colocar este tema na agenda. Contudo, o envolvimento do Brasil é fundamental. Se somarmos todas as economias da CPLP, tendo por base os dados do FMI, teríamos a 10ª maior economia do mundo. Mas isso só acontece porque o Brasil, por si só, é a 12ª economia mundial. O desafio creio que estará em explorar o potencial do posicionamento geográfico dos estados membros da CPLP. O espaço da SADC em que Angola e Moçambique são Estados-membros ou a UE, em que se insere Portugal são exemplos de mercados onde os países da CPLP podem ser uma ‘porta de entrada’. Portanto, eu creio que é interessante para qualquer país, incluindo o Brasil, um projeto futuro da CPLP, que tenha como um dos pilares a economia, e procure dar escala às economias dos seus estados membros por via da internacionalização em mercados que vão além das fronteiras da CPLP como o Mercosul, UE e SADC.
É essencial depois que existam políticas públicas em Portugal que permitam aproveitar a construção da economia como um pilar da CPLP. Ou seja, as políticas de apoio à exportação devem permitir que as empresas portuguesas consigam aproveitar as potencialidades que as economias da CPLP oferecem. Vale a pena equacionar uma especialização das linhas existentes de financiamento para apoio à exportação e seguros de crédito com garantia do Estado destinada aos países pertencentes à CPLP.

O que é que defende para que as políticas públicas em Portugal fomentem a construção económica da CPLP?
Tudo o que ajude a nossas empresas a ganhar escala, especialmente por via da exportação, deve ser acelerado com políticas públicas. Eu recordo-me de António Nogueira Leite chamar a atenção para os dados do Eurostat do ano de 2018 sobre a produtividade das microempresas portuguesas face à média europeia, que é de apenas 41%. Mas o rácio sobe quanto maior for a empresa 63% nas pequenas, 69% nas médias e 78% nas grandes.
Se as nossas empresas crescerem, especialmente por via da exportação, tornam-se mais competitivas e ajudarão ao crescimento da nossa economia. E a CPLP é importante porque ajuda a diversificar para mercados que não seja apenas o europeu. Até porque temos desafios no crescimento económico da Europa face à China e EUA, por um lado, e de Portugal face à União Europeia por outro.
A União Europeia por força da sua própria realidade não consegue ter políticas públicas uniformes e eficazes como por exemplo os Estados Unidos. Mesmo a chamada ‘bazuca’ europeia que prevê uma injeção de cerca de 750 mil milhões de euros para reanimar a economia tem problemas de operacionalização. O que vai estar realmente disponível é uma soma de cerca de 350 mil milhões de euros em subvenções. Ninguém está a querer utilizar a maioria do dinheiro que está disponível na forma de empréstimos, com medo de excederem o déficit orçamental permitido. O próprio Vítor Constâncio na qualidade de vice-presidente do Banco Central Europeu confirmou, em março deste ano, que quase todo este dinheiro estava ‘estacionado’ nos cofres do banco. Desta forma, o dinheiro não chega à economia europeia, como irá chegar nos EUA. O American Rescue Plan por exemplo, foi anunciado em março no valor de 1.900 mil milhões de dólares e fez com que a OCDE tenha duplicado as suas previsões de crescimento económico para os EUA para este ano. Muito por força do dinheiro que é entregue diretamente às famílias para estimular o consumo. Na União Europeia, a ‘bazuca’ não tem esse mecanismo, portanto, ou existem dentro dos orçamentos de Estado de cada Estado Membro, ou não existe de todo. O resultado é que os países com menor margem orçamental têm uma capacidade de resposta menor. Estes fatores contribuem para o aumento da distância dos EUA para a UE, para não falar da China e da Rússia.

Além das críticas às políticas da UE também está aqui implícita uma crítica ao PRR…
A nível nacional, a fórmula final do PRR, coloca cerca de dois terços do seu consumo no Estado. Não analisando a questão ideológica e admitindo que o Estado também gera economia, também gera riqueza, será impossível esperar que o Estado possa gerar mais economia e mais riqueza sem que, simultaneamente, se proceda a reformas e sem apoiar o sector privado, muito especialmente as empresas portuguesas, que deram um impulso gigantesco nos últimos anos à economia portuguesa. Um pequeno exemplo é a quase total ausência no PRR de medidas que melhorem a nossa produtividade, que é um pilar para o crescimento económico e é determinante para pagar melhores salários. Ou seja, aumentar a produtividade significa produzir mais com os mesmos meios humanos e materiais. E se olharmos para a produtividade por hora trabalhada em comparação com a média da União Europeia verificamos que Portugal tem os seus valores ‘congelados’ nestes últimos 20 anos. E enquanto nós nos ficamos por cerca de 68%, países como a Bélgica, Espanha, Irlanda estão próximos ou acima dos 100%. Mas há outro fator que deve merecer preocupação: a Eslováquia por exemplo subiu de menos de 50% em 1995 para mais de 80% em 2020 e Portugal na mesma comparação com a média da União Europeia manteve um valor quase sempre igual, próximo dos 68%. Estas estatísticas são assustadoras e estão acessíveis através do PORDATA, num trabalho muito importante da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Sem as reformas que ‘ataquem’ os custos de contexto por exemplo na justiça, na fiscalidade, licenciamentos, é impossível melhorar a produtividade e dessa forma só mantemos todos os problemas que têm ‘atrofiado’ o nosso crescimento económico.

Como membro da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros como tem visto a questão dos ataques de radicais islâmicos no noerte de Moçambique, em Cabo Delgado?
No meu entender, a questão de Cabo Delgado tem a ver com duas matérias muito simples. Em primeiro lugar, a ajuda humanitária da UE, que vá de encontro às necessidades que se sentem no terreno, porque, infelizmente, evoluíram para necessidades maiores. Sobre a segunda questão, a cooperação militar, temos de compreender que temos de respeitar a vontade expressa por um Estado soberano, ou seja, que aquilo que está pedido pelo Estado moçambicano vai ao encontro da disponibilidade demonstrada por Portugal. Mas Portugal deve implementar instrumentos de cooperação que possam ir de encontro a um contexto de tripla ameaça que infelizmente não se limita à questão dos ataques terroristas.
Ainda em 2019 estimou-se que Moçambique precisaria de 2,7 mil milhões de euros para fazer face aos impactos dos ciclones Idai e Kenneth, de acordo com o Conselho Económico e Social das Nações Unidas para África. A este problema acrescem os impactos da Covid-19 e ataques terroristas em Cabo Delgado. É uma tripla ameaça, como referiu recentemente o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres.
Por essa razão, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou um Projeto de Resolução que foi aprovado na Assembleia da República. Foram propostas duas iniciativas, uma ação diplomática de Portugal nas Nações Unidas, particularmente no Ecosoc (Conselho Económico e Social das Nações Unidas), para o qual Portugal foi eleito e assumiu funções a 1 de janeiro de 2021. Por outro lado, recomendava-se que a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia desenvolvesse esforços para que fosse criado um fundo fiduciário pela Comissão Europeia. À semelhança do que acontece com outros quatro que já existem: de Bêkou, para a República Centro-Africana, de apoio à superação da crise e fomento da reconstrução; de Madad, em resposta à crise síria; de emergência da UE para África, para a estabilidade e melhor gestão das migrações (que não inclui Moçambique); e da UE para a Colômbia, de apoio ao processo de pós-conflito.

Sendo um deputado eleito pelo distrito de Setúbal, como encara as pretensões dos empresários da região no sentido de separar a região de Lisboa da de Setúbal em termos de atribuição de fundos comunitários?
No que respeita à questão da NUTS [Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos] da AML [Área Metropolitana de Lisboa], considero que a Península de Setúbal devia ser uma NUTS III, separada do resto da região de Lisboa, porque tem dados socioeconómicos próprios. Esta questão já foi levantada na Assembleia da República em 2019 pelos deputados eleitos sobre o Orçamento de Estado pelo distrito de Setúbal. E a ministra da Coesão Territorial [Ana Abrunhosa] prometeu que iria resolver o assunto, mas ainda não foi nada concretizado nesse sentido. Nesta última sessão legislativa decorreu o debate na Assembleia da República com vários Projetos de Resolução, incluindo do PSD no sentido de alterar esta situação. Mas devia ser uma iniciativa do Governo, que deveria tentar consensualizar ao nível da Comissão Europeia uma decisão vinculativa neste sentido, para que depois a região da Península de Setúbal possa receber os fundos comunitários adequados à sua realidade económica e social. Foi um erro declarado ter apagado os dados económicos da Península de Setúbal. Neste momento, Portugal tem uma região que, face à NUTS2 em que está integrada, os fundos comunitários podem não ser alocados por estarem integrados na região da Grande Lisboa, que ‘puxa’ o PIB para cima. Mas o Governo já deveria ter iniciado o processo para que a Península de Setúbal fosse uma NUTS3 e posteriormente uma NUTS2, de forma a que a própria região, e o País, fossem beneficiados com os fundos comunitários. Há aqui uma crítica que tem de se fazer ao Governo, pela resistência que está a colocar a esta questão, não só a nível interno, com uma ausência de proposta de alteração legislativa, assim como ao nível das conversações que têm de ser executadas com a Comissão Europeia.

 

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