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Este orçamento também é para mulheres

Não há (ainda) fórmulas fechadas ou modelos únicos, mas na génese da ideia, que já está a ser testada, é que os orçamentos do Estado não são neutros no impacto para homens e mulheres.
8 Março 2018, 07h30

Em Portugal, uma mulher ganha em média 982,49 euros, enquanto um homem aufere 1251,11 euros. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes ao ganho médio mensal em 2016 põem em evidência a disparidade salarial entre géneros, ao mesmo tempo que alertam para outras fragilidades. O sexo feminino continua a representar a maior fatia de desempregados. Com base nos dois elementos e na fórmula de cálculo do subsídio de desemprego – que tem por base a remuneração anterior do desempregado – poderá extrapolar-se que, em média, um subsídio de desemprego é inferior para o sexo feminino.

É para compreender estes indicadores e a partir daí o impacto que as políticas públicas têm para os géneros que surgiu uma nova política que promete dar que falar: os orçamentos sensíveis ao género. Não há (ainda) fórmulas fechadas ou modelos únicos, mas a premissa na génese da ideia é que os orçamentos do Estado não são neutros no impacto para homens e mulheres.

Portugal poderá começar trilhar caminho ainda este ano nesta matéria, já que o Governo comprometeu-se a apresentar até ao final de 2018, um projecto-lei que institui um relatório que meça o impacto que as políticas públicas têm em homens e mulheres.

“É preciso referir, desde logo, que os orçamentos sensíveis ao género não significam orçamentos separados para as mulheres pois a abordagem de género é, por definição, relacional – diz respeito às (des)igualdades entre homens e mulheres”, esclarece a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade, Teresa Fragoso, em entrevista ao Jornal Económico.

Não se trata de separar homens e mulheres no OE, mas sim integrar as conclusões da análise nos ajustes das receitas e despesas, realça.

O objectivo da teoria é mitigar as desigualdades entre géneros a partir da compreensão de que a forma como as políticas são desenhadas nos sucessivos orçamentos, aos quais homens e mulheres se encontram expostos sob diferentes condições, tem repercussão nos ganhos e perdas entre os géneros, ainda que este processo possa ser involuntário.

Ana Sofia Fernandes, Secretária-Geral da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e membro do Conselho de Administração do Lobby Europeu das Mulheres, exemplifica a amplitude das desigualdades salariais entre géneros em Portugal: “devido às diferenças salariais existentes entre mulheres e homens, à menor participação das mulheres no mercado de trabalho e a uma maior percentagem de mulheres em empregos de mais baixa remuneração, as mulheres, em geral, têm menores rendimentos do que os homens. Portanto, em geral, mais homens beneficiam de hipotéticas medidas de redução nos níveis mais elevados de tributação, ao passo que, em geral, mais mulheres beneficiam de um aumento do salário mínimo”.

A necessidade de pensar em Orçamentos com impacto de género surge porque “seria ingenuidade pensar que um instrumento de política pública tão relevante como o Orçamento de Estado não tem impacto de género. Seria quase equivalente a acreditar que o Orçamento não tem impacto no agravamento, manutenção ou esbatimento das desigualdades sociais”, diz a presidente da Comissão de Mulheres da UGT, Lina Lopes. Mas alerta: “a questão verdadeiramente pertinente é saber se o Orçamento está desenhado de forma a permitir avaliar o seu impacto na realidade das desigualdades, em particular na desigualdade de género. Para tal deviam ter sido adotados alguns instrumentos recomendados pela União Europeia e que alguns Estados-Membros já puseram em prática”.

A desigualdade de géneros abrange várias áreas e, portanto, o impacto das políticas públicas estende-se a várias vertentes. Ana Sofia Fernandes aponta um exemplo: “Vários estudos mostram que as mulheres dependem mais fortemente do transporte público para os movimentos familiares, sociais e relacionados com o trabalho, do que os homens. Em Portugal, um estudo de 2016 evidencia que “em média, as mulheres utilizam mais os modos de transporte público do que os homens e fazem viagens de menor amplitude, mas em maior número, o que significa um padrão de viagem associado a atividades de cuidado familiar (viagens de propósito múltiplo)”. Uma possível diminuição da despesa estatal com os transportes públicos teria, por conseguinte, um impacto negativo maior na qualidade de vida das mulheres, e poderia prejudicar indiretamente a mobilidade das mulheres e a sua capacidade de participação no mercado de trabalho”.

 

Islândia foi uma das pioneiras

A ideia já está a ser testada e a Islândia é um dos países onde já teve consequências. “Em 2015, aquando de alterações no sistema de tributação dos rendimentos, foi abolida a medida que previa que o parceiro com maior rendimento dentro de um casal beneficiava do crédito tributário não utilizado do parceiro de rendimento mais baixo. Inicialmente, a Comissão de Orçamento propôs a continuação da anterior medida, que beneficiava principalmente os homens, pois eles são o parceiro que ganha mais em 75% dos casamentos. No entanto, devido à introdução da estratégia de orçamentos sensíveis ao género, foi apontado à Comissão que isso significaria que os homens receberiam benefícios fiscais com base no trabalho e nos salários das mulheres, o que faria aumentar o seu rendimento disponível, e o gender gap de rendimento. Graças a esta informação, a proposta inicial da comissão de orçamento foi alterada”, exemplificou Teresa Fragoso.

Não é, no entanto, caso único. “Em Espanha, as orientações para a elaboração do Orçamento do Estado, estabelecem que cada departamento ministerial, ao enviar aos serviços centrais do orçamento os seus respetivos projetos de orçamento, deverão fazê-los acompanhar de um relatório que analise o seu impacto de género. O anteprojeto da Lei Geral do Orçamento do Estado é acompanhado por um Relatório de Impacto de Género, elaborado a partir das informações fornecidas pelos departamentos ministeriais”, acrescenta a presidente da CIG.

Questionada se é necessário alterar os princípios e a forma como são tomadas as decisões orçamentais para se tornarem sensíveis à desigualdade de género, a presidente da Comissão das Mulheres da UGT defende que “a sensibilidade relativamente às desigualdades de género é muito condicionada pela constituição dos órgãos que tomam decisões. A Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa da Assembleia da República é presidida por uma mulher e a constituição da Comissão, embora não paritária, não é muito desproporcionada – cerca de 40% de mulheres. Porém, nos grandes grupos parlamentares (PS e PSD), as mulheres não são mais de um terço dos deputados e isso pode condicionar as decisões com sensibilidade ao género”.

Ana Sofia Fernandes sublinha, que mesmo num cenário de redução da despesa pública é possível, através da orçamentação sensível ao género, que os mais de 95% das despesas mainstream “sejam reformuladas ou reorientadas com vista a contribuírem para a uma efetiva realização da igualdade de género”.

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