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“Estes incêndios vieram para ficar”, alerta especialista em fogos florestais

Consultor especialista em organismos do Estado na área dos Riscos naturais e dos incêndios florestais, Emanuel de Oliveira avisa que a homogeneização dos combustíveis, aliada às alterações climáticas e subida das temperaturas, aumenta o risco de incêndios como o de Pedrógão Grande, que são típicos de países como os EUA, Canadá ou Austrália.
29 Junho 2017, 17h40

Muito se tem especulado sobre as origens do incêndio do Pedrógão Grande. Na sua perspectiva o que poderá ter estado na origem?

Importa destacar que a origem pouco importa quanto à sua influência na propagação ou dimensão que o Grande Incêndio Florestal (GIF) de Pedrógão Grande alcançou. Dizer-se que foi um incendiário, fogueira, reacendimento ou outra origem de comportamento humano, sem que para tal existam evidências, não é na minha opinião sustentável.

A “Tese Meteorológica” sobre a origem do GIF é sustentável se observarmos as condições meteorológicas prévias que apontavam para um forte potencial convectivo, isto é, diversos modelos meteorológicos previam condições na Região Centro para a ocorrência deste fenómeno – trovoadas – podendo ou não ocorrer incêndios por causa natural, derivado de relâmpagos. No período antecedente à ocorrência do incêndio, o satélite Meteosat, registava na Região Centro a formação de instabilidade e poucos minutos depois o registo da formação de nuvens de evolução que normalmente originam trovoadas, bem como o registo da queda de um raio.

Não se entende a dificuldade em aceitar uma causa natural para a ocorrência deste GIF quando se reúne um conjunto de evidências que apontam para ela e se tratando de um fenómeno normal. O que não se entende é dizer-se que foi mão criminosa sem que para tal existam evidências que sustentem tal hipótese.

 

Existe o risco de um aumento da tendência deste tipo de incêndios convectivos – quando o factor dominante da propagação são os combustíveis, pela sua carga e disponibilidade, pelo tipo/modelo de combustível, pela sua distribuição espacial e pelo estado das fase de vida da planta – em Portugal, que são mais típicos nos EUA, Canadá ou Austrália?

Obviamente que sim. Nos referidos países os incêndios encontram paisagens homogéneas, maioritariamente naturais, daí que os incêndios encontrem combustível suficiente para se “alimentarem” durante dias e semanas.

À escala das nossas paisagens está a ocorrer um fenómeno idêntico, mas derivado do abandono dos usos tradicionais do meio rural como a agricultura e a própria gestão florestal e o despovoamento. A supressão de incêndios de pequenas e médias dimensões, a política de erradicação do fogo de baixa intensidade, promovem a formação de paisagens com maior carga de combustível disponível que contribuem mais tarde para grandes incêndios florestais. A somar-se a estas situações estão os grandes incêndios florestais que têm um potencial papel modelador da paisagem e por um lado causam sérios danos e prejuízos e por outro lado provocam a homogeneização da paisagem e dos modelos de combustível.

Aquilo que tenho vindo a investigar é que as paisagens que no passado sofreram os efeitos de grandes incêndios, têm vindo a perder a diversidade que as caracterizava, transformando-se em grandes massas de território com um mesmo modelo combustível, com a mesma idade, altura, carga e disponibilidade. Quando o fogo alcança uma paisagem com estas características, vai ter um comportamento idêntico e só altera quando encontrar condições de combustível diferentes.

Estes incêndios vieram para ficar, dadas as condições referidas e às mudanças climáticas.

Qual deve ser a resposta de combate?

Antes do combate, face à mudança do paradigma dos grandes incêndios florestais, importa também que a prevenção tenha uma escala de paisagem, pois os grandes incêndios como já percebemos consomem paisagens. Logo, a prevenção apenas baseada em ações locais dos municípios não é eficaz nem eficiente para fazer frente a esta nova realidade dos incêndios florestais, o que implica ações de escala dirigidas ao potencial consumo de um grande incêndio florestal.

Por exemplo, fala-se de rede primária, mas a execução desta depende de candidatura de cada município, podendo ser aprovada/financiada ou não, logo podemos ter uma rede primária aos retalhos que não vai ser de modo algum eficaz para travar um GIF. As ações de prevenção têm que ter uma escala supramunicipal para serem sustentáveis, desde o planeamento à implementação e manutenção, pois os incêndios também não “conhecem” os limites administrativos.

O combate em geral, aos grandes incêndios florestais, para além da “intervenção musculada” requer uma resposta proactiva suportada em equipas de análise que permitirão a previsão na fase de pré-ignição através da monitorização da meteorologia de incêndios e do estado dos combustíveis, a predição do comportamento do fogo e da propagação do fogo na fase de incêndio e a elaboração de análises finais e reconstrução do incêndio para futuras intervenções em caso de incêndio recorrente.

E nestes casos específicos de incêndios convectivos?

No caso dos incêndios convectivos e dada a sua complexidade, há que assumir a perda de elevadas áreas para executar ações eficazes e seguras com vista ao controlo do incêndio. Normalmente obriga a recorrer ao método indireto, usando equipas de fogo de supressão devidamente preparadas e apoiadas com meios, como a maquinaria pesada e meio aéreo, saber esperar por mudanças na situação meteorológica que favoreçam as ações de combate, evitando assim a exaustão dos bombeiros e apoiar-se em zonas de mudança de combustível que permitam ações seguras. Igualmente, dada a extensão dos perímetros e com o fim de evitar reativações, importa direcionar no imediato brigadas (no mínimo 15 elementos) preparadas e apoiadas por técnicos responsáveis para ações de rescaldo, tais como as equipas de sapadores florestais.

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