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Facebook monta “sala de guerra” para impedir manipulação de eleições no Brasil e EUA através de notícias falsas

A campanha eleitoral no Brasil é o primeiro grande teste ao novo sistema. Constituída por profissionais de diversas áreas, a “sala de guerra” vai monitorizar as publicações no Facebook para detetar notícias falsas e intervir no sentido de impedir a sua disseminação. Sergio Denicoli tem acompanhado o desenvolvimento da campanha nas redes sociais e duvida que a auto-regulação tenha eficácia.
26 Setembro 2018, 01h55

A rede social Facebook tem lançado várias iniciativas com o objetivo de suster a disseminação de notícias falsas e a subsequente manipulação de eleições democráticas. Casos paradigmáticos como a última eleição presidencial dos EUA e o referendo sobre o “Brexit” no Reino Unido, ambos em 2016, colocaram o Facebook sob pressão política e mediática. Entre as referidas iniciativas destaca-se a criação de uma “sala de guerra” que entrou em operação na segunda-feira, dia 24 de setembro, constituída por profissionais de diversas áreas: engenharia, políticas públicas, processamento de dados, etc. A missão da “sala de guerra”, estabelecida na sede da empresa, em Menlo Park, Califórnia, consiste em monitorizar as publicações na rede social, através de sofisticados painéis de controlo, para detetar notícias falsas e intervir no sentido de impedir a sua disseminação.

A atividade da “sala de guerra” vai focar-se nos períodos eleitorais de diferentes países. O primeiro grande teste ao novo sistema será a primeira volta da eleição presidencial do Brasil, agendada para o dia 7 de outubro. Os dirigentes da rede social Facebook querem testar o software de monitorização nesse cenário eleitoral, de forma a estar tudo afinado para as eleições intercalares dos EUA que se realizam em novembro. Além da “sala de guerra”, a rede social tem incorporado outras ferramentas nos EUA e no Brasil, como por exemplo a identificação do candidato ou partido político que financia determinadas publicações, ou a sinalização de que se trata de “propaganda eleitoral”. Mais especificamente no Brasil, também anunciou na semana passada que vai dedicar-se à remoção de perfis falsos que se fazem passar por candidatos, ou fotografias de candidatos presidenciais com informação adulterada, entre outras formas de manipulação que se verificam na rede social.

Sergio Denicoli, pós-doutor em Comunicação e diretor da empresa AP/Exata Inteligência Digital, o qual tem acompanhado o desenvolvimento nas redes sociais da campanha eleitoral em curso no Brasil, duvida da eficácia da “sala de guerra” montada pelo Facebook. “Um ano antes das eleições, no dia 7 de outubro de 2017, a AP/Exata fez um estudo baseado em inteligência artificial que constatou que 27% das publicações no Twitter mencionando algum pré-candidato à Presidência do Brasil eram derivadas de perfis falsos, robôs e perfis militantes, criados apenas com o intuito de disseminar informações sobre um determinado candidato”, salienta Denicoli, em declarações ao Prisma. “A esses perfis demos o nome de perfis de interferência, por terem como objetivo interferir no processo eleitoral. Quem mais utilizava esse tipo de perfil, na altura, eram adeptos de Jair Bolsonaro e do Partido dos Trabalhadores (PT). Curiosamente, Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), são os mais cotados para disputar a segunda volta das eleições brasileiras deste ano”.

 

“Se o Facebook diz que apenas agora, a poucos dias das eleições brasileiras, irá ter um sistema para deteção de perfis de interferência, realmente demonstra um grande desinteresse em impedir a manipulação da opinião pública por meio de notícias falsas e demais mentiras”, critica Denicoli.

 

“Esse tipo de perfil tem tatuado fortemente, não apenas no Twitter, mas também no Facebook, há muito mais tempo do que o período eleitoral propriamente dito. Por diversas vezes, a nossa equipa denunciou perfis falsos nas redes, mas praticamente nenhum deles foi apagado. No Facebook, as mensagens eram sempre automáticas, dizendo que o perfil havia sido verificado e não seria apagado. Portanto, há muito mais marketing das empresas que atuam no negócio das redes sociais online do que ações efetivas”, critica Denicoli. “Se o Facebook diz que apenas agora, a poucos dias das eleições brasileiras, irá ter um sistema para deteção de perfis de interferência, realmente demonstra um grande desinteresse em impedir a manipulação da opinião pública por meio de notícias falsas e demais mentiras que são difundidas através dessa rede social”.

“Empresas online como o Facebook atuaram sempre nas esferas supranacionais de forma a oficializar a auto-regulação. Ou seja, essas empresas pregam que são capazes de criar mecanismos que protejam os cidadãos, mas o verdadeiro intuito parece ser fugir de uma necessária regulação por parte dos poderes estabelecidos nos países. É um grande desafio regular algo que é global com leis domésticas. Não foram poucas as multas que o Facebook pagou por questões eleitorais no Brasil em 2016. Advogados da área eleitoral já sabiam, de antemão, que ações contra empresas de redes sociais seriam ineficazes em relação à retirada de conteúdos e que, muitas vezes, elas optariam por pagar multas e manter no ar informações consideradas ofensivas e mentirosas”, acrescenta.

 

“É importante que os Estados tomem providências, não para censurar, mas sim para evitar que a democracia seja prejudicada pela livre circulação e informações falsas, disseminadas por robôs e perfis falsos”, sublinha Denicoli.

 

“É inegável que há muita manipulação de informações no Facebook, Twitter e WhatsApp. Obviamente que essas manipulações partem dos utilizadores e não das empresas. No entanto, é também inegável que tais companhias têm sido incompetentes no que diz respeito às ações para coibir esses atos. A auto-regulação não tem funcionado a contento e isso tem-se tornado uma real ameaça à equidade dos processos eleitorais”, prossegue Denicoli. “Este ano, no Brasil, o Facebook está autorizado a ser uma plataforma de divulgação de propaganda eleitoral, por meio do impulsionamento de publicações. Contudo, há uma disparidade entre os candidatos, pois alguns podem ter os seus simpatizantes atingidos pela publicidade, enquanto outros não. Para explicar melhor, cabe lembrar que o Facebook permite que se escolha um público-alvo para os anúncios. Simpatizantes de alguns candidatos podem ser escolhidos como público a ser atingido pela publicidade, mas outros não aparecem na lista da plataforma. Ou seja, alguns candidatos ficam expostos à ação dos seus adversários sobre os seus eleitores, enquanto outros escapam a essa questão, por questões muito nebulosas e sem resposta”.

“É importante que os Estados tomem providências, não para censurar, mas sim para evitar que a democracia seja prejudicada pela livre circulação e informações falsas, disseminadas por robôs e perfis falsos, com as empresas por onde essas mesmas informações circulam a dizer que estão a agir, sendo que, na prática, parecem estar muito alheias e pouco interessadas em sanar o problema”, conclui.

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