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Faltam soluções para crise política no “albergue espanhol” da coligação italiana

A coligação partidária que sustentou Mario Draghi está dividida sobre uma solução que lhe permita manter-se no poder. A oposição já apelidou a situação de “albergue espanhol”.
16 Julho 2022, 08h57

A coligação partidária que sustentou o primeiro-ministro demissionário italiano, Mario Draghi, mostra-se dividida sobre uma solução que lhe permita manter-se no poder, enquanto a oposição a qualifica de “albergue espanhol”.

O Presidente italiano, Sergio Mattarella, recusou na noite de quinta-feira o pedido de demissão de Mario Draghi, convencendo-o a voltar ao Parlamento, na próxima quarta-feira, para uma avaliação do apoio político ao seu Governo de coligação, que entrou numa profunda crise.

O problema é que Draghi até pode ter o apoio parlamentar suficiente para continuar no cargo, mas já confessou que não quer continuar a governar com as sistemáticas críticas e boicotes da principal força política na sua coligação: o partido populista anti-sistema Movimento Cinco Estrelas (M5S).

A grave crise política que levou Draghi a pedir a demissão começou precisamente quando os senadores do M5S se ausentaram da sala de voto, na quinta-feira à tarde, para manifestarem com esse boicote a sua oposição a um pacote de ajuda social para lidar com o aumento vertiginoso da inflação, que atingiu os 8% em junho.

O M5S considera que a medida é “insuficiente”, demarcando-se mais uma vez da estratégia política do Governo de coligação que integra e apoia parlamentarmente, numa atitude de afastamento que tem repetido por diversas vezes nas últimas semanas, o que já levou a oposição a acusar o executivo de unidade nacional de ser um “albergue espanhol”, numa referência à sua excessiva heterogeneidade, com partido desde a extrema-direita até à esquerda.

Um dos pontos principais de divergência – e aquele que parece “irritar” mais o primeiro-ministro – diz respeito à posição do M5S sobre o fornecimento de armas a Kiev, para resistir à invasão russa.

O M5S é considerado por muitos um partido pró-russo, nos antípodas da posição de Draghi, que tem sido um dos líderes ocidentais que mais se tem esforçado para que a Ucrânia não se sinta isolada no conflito contra o regime do Presidente Vladimir Putin.

Este tema será um dos pontos essenciais das negociações que vão decorrer até à próxima quarta-feira, dia em que Mario Draghi voltará ao Parlamento para uma avaliação ao apoio parlamentar ao seu Governo, esperando nessa altura ter uma posição mais flexível do M5S, para garantir condições de continuação no poder.

Para já, o primeiro-ministro tem ao seu lado os dois movimentos políticos de centro da sua coligação – o Partido Democrata e o partido IV, liderado pelo antigo primeiro-ministro Matteo Renzi – que tentam a todo o custo evitar eleições antecipadas.

À direita, o cenário é diferente, com os líderes mais radicais a olharem com interesse para as sondagens que indicam uma relevante subida da contestação popular às políticas económicas e sociais de Draghi.

Mas as mesmas sondagens também avisam que a direita apenas conseguirá vencer as próximas eleições se surgir unida, num bloco homogéneo, o que claramente não acontece.

Aliás as divergências entre os partidos de direita que suportam Draghi destacaram-se logo no diagnóstico da atual crise política, com o Força Itália, de Silvio Berlusconi, a recomendar que a coligação se mantenha, após uma avaliação das condições de governabilidade, e a Liga, de Matteo Salvini, a defender a antecipação sumária das eleições, que estavam previstas para a próxima primavera.

Quem não tem dúvidas de que o cenário de eleições antecipadas é o mais adequado é o partido Irmãos de Itália, a única força política de oposição no Parlamento, que defende que Draghi deixou de ter condições para liderar uma coligação que se comporta como um “albergue espanhol”, com uma progressiva incapacidade de conseguir consensos entre os membros do executivo.

“Vários líderes políticos acreditam que as eleições antecipadas são o cenário mais sensato, alegando que o Governo perdeu a capacidade de adotar novas reformas e de fazer escolhas difíceis”, explicou Lorenzo Codogno, ex-economista-chefe do Tesouro italiano e professor universitário de Economia.

Os defensores das eleições antecipadas argumentam que, se o voto popular acontecer apenas na primavera de 2023, Draghi será “arrastado” por um penoso “calvário político”, tendo pouca margem de manobra para fazer aprovar as suas medidas, como aconteceu esta semana no pacote de ajuda social.

Os defensores da manutenção do Governo argumentam que a União Europeia (UE) olha para Draghi como o rosto sensato da política italiana, beneficiando do seu estatuto de antigo presidente do Banco Central Europeu, e como a única figura capaz de por em prática o ambicioso Programa de Recuperação e Resiliência.

Os apoiantes do atual primeiro-ministro recordam que Mario Draghi conseguiu negociar com Bruxelas pouco menos de 200 mil milhões de euros em ajuda financeira, para o período entre 2021 e 2026, e que a UE já desembolsou mais de 45 mil milhões, para reformas urgentes na saúde e na justiça.

Outro importante sinal de apoio ao primeiro-ministro veio, ironicamente, de Moscovo, quando os ‘media’ italianos noticiaram que o Kremlin “estava a brindar” por causa da crise política em Roma, que “serviu a cabeça de Draghi ao Presidente Vladimir Putin numa bandeja de prata”.

Contudo, mesmos os dirigentes do núcleo duro da coligação, como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi di Maio, começam a desacreditar nas condições para Draghi se manter à frente do executivo.

”Tornou-se muito, muito difícil” que o Governo de Draghi se mantenha em funções, reconheceu hoje o chefe da diplomacia italiana, embora diga que continua a acreditar que essa seria a melhor solução para a atual crise.

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