No mercado televisivo português em que é quase tudo previsível, repetitivo, mimético e tantas vezes desinteressante, onde os “freak-shows” no entretenimento, e até no comentariado onde se tem perdido o pé e dado palco a farsantes, ignorantes, incultos e ESPONS (Especialistas de Porra Nenhuma), se têm imposto em barda, é bom ter factores – e pessoas – diferenciadores. Se assim não fosse, seria uma televisão com cara de nada.

A televisão tem os dons de Tom Ripley, criado por Patricia Highsmith, que fazia da mentira a sua profissão. Ninguém entra no ar sem ser maquilhado, sem ver se o casaco ou vestido estão sem rugas e o cabelo penteado. A televisão exibe o melhor de nós e mete para baixo do tapete as máculas e imperfeições. Um universo de prestidigitadores bafejados por uma aura de estrelas que, em inúmeros casos, é uma ilusão ou mesmo uma fraude.

Na entrevista de Manuel Luís Goucha a Tony Carreira, pelo contrário, só vi verdade. A mais dura das verdades. A verdade de um pai que não compreende como uma entidade qualquer decidiu cruelmente roubar-lhe o mais lindo e reluzente dos seus tesouros e levá-lo para outro lugar desconhecido.

As marcas da dor, a angústia da tristeza, a procura de um novo significado para uma vida cerceada da luz que o enternecia, não têm maquilhagem possível. Estão à vista de todos e os portugueses também o sentem no seu âmago.

As palavras e a revolta interior de Tony Carreira merecem o apoio de todo o mundo. E ali, a escutá-lo, a ampará-lo, a respeitar o seu espaço, humano, com a bondade estampada no rosto, Manuel Luís Goucha levanta-se para lhe dar o abraço que toda a audiência desejava dar numa osmose perfeita, serena, delicada, sentida. Não poupou nas lágrimas, vivenciou a agrura do momento que não foi de catarse, mas de profunda amizade e sintonia.

Ele, Goucha, que passou pelo teatro e representação que o calejaram para os programas da manhã (onde ergueu a sua fantástica carreira), nos quais se tinha de multiplicar em infinitos diálogos e temas para chegar às pessoas, sabe melhor que ninguém que o primeiro segredo, para lá da mundividência e interesses culturais que possui, e muitos outros manifestamente não têm, para residir no coração das pessoas é a verdade.

Ora, ele foi dos primeiros em Portugal no mundo da televisão a mostrar com orgulho o seu marido. Um momento também duro, pois diz um ditado espanhol que “a mãe dos imbecis está sempre grávida” e assim teve de suportar preconceitos, ódios, consciências mal resolvidas.

No entanto, como quem está de bem com a vida, seguiu em frente tornando irrelevantes os grunhidos das hienas e os passinhos de baratas das redes sociais que se devem pisar e meter no lixo.

Manuel Luís Goucha tem aperfeiçoado a arte, sim é uma arte, de conversar com diferentes protagonistas. Dá-lhes espaço sem ceder um pingo nas suas convicções, ele é o senhor do momento que conduz com mestria o entrevistado mas identificando-se sempre a sua presença. Não só nas entrevistas também durante os seus programas, em cada segundo sente-se o segundo segredo para chegar às pessoas: a alma.

Para quem ainda não compreendeu, Manuel Luís Goucha é televisão com alma. Isso não tem preço e é o segredo do seu sucesso.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.