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Há uma ‘Cozinha’ em Guimarães que é a mais sustentável do mundo

Ganhou uma estrela Michelin no final do ano passado, poucos meses de ter sido eleito o restaurante mais sustentável do mundo. Fica em Guimarães e é António Loureiro quem lhe dá corpo – os pratos são servidos com a ajuda de uma pinça,mas o verdadeiro corte de bisturi é em “A Cozinha”, que quer deixar a cicatriz perfeita na memória de quem a visita.
6 Abril 2019, 14h00

O vapor dos tachos não são novidade para António Loureiro, o chef vimarense com 29 anos de temperos e experiência. Mas desengane-se quem ache que duas décadas atrás do fogão lhe embaciaram a vista. “Sempre soube que queria voltar a Guimarães”, garante, mantendo essa convicção mesmo quando a vida o arrastou até cozinhas algarvias e a outras tantas alentejanas. O sonho concretizou-se em 2016, quando inaugurou “A Cozinha por António Loureiro”, um restaurante premium no  Largo do Serralho, no centro histórico da cidade onde nasceu.

O espaço tem dois andares pensados para diferentes experiências – uma sala de jantar comum, que senta cerca de 40 pessoas, e uma decoração que une a madeira ao metal, bem ao estilo industrial, e uma zona mais recatada, para “slowmeals”. A máxima ‘from-farm-to-table” é levada a sério neste espaço: há um profundo respeito pelos produtos da época, e são estes que ditam a ementa. Por isso, a natureza funciona como o sub-chef de Loureiro: é ela, e os ciclos de cultivo, que o ajudam a aperfeiçoar as criações. No terraço do restaurante há também uma horta aromática, cuidada pelo próprio, que abastece a cozinha e pode ser visitada pelos clientes.

O sucesso tem sido surpreendente e às vezes ainda lhe custa a ‘engolir’. No último ano, os prémios chegaram-lhe à velocidade de um guisado numa panela de pressão. Em setembro, “A Cozinha por António Loureiro” foi considerada o restaurante mais sustentável do mundo, numa competição organizada pela dinamarquesa Green Key e que reunia mais de 2600 concorrentes de 58 países. “Foi muito gratificante receber esse prémio, até porque trabalhamos para isso desde o ínicio. Na verdade, quando escrevi o conceito do restaurante, a sustentabilidade era a chave do nosso modelo de negócios. E termos um desperdício próximo do zero é algo que me orgulha muito” , confessa.

Estrela aumenta procura

A estratégia sustentável permitiu-lhe nunca ter prejuízo no negócio, nem mesmo em 2016, ano em que abriu, graças à politica rígida contra o desperdício. António tem especial cuidado com a gestão de stocks e com aquilo que produz, de forma a que nada se estrague. “Tudo tem um plano, uma estratégia”, acrescenta. Na cozinha não entra nada em excesso e há sempre planos para tudo: das cascas dos legumes às penas das aves. E porque ‘banho-maria’ não faz parte da receita de sucesso do vimaranense, três meses depois caiu-lhe uma estrela Michelin no avental, a primeira do cozinheiro eleito Chefe Cozinheiro do Ano em 2014. “É inacreditável. Foi um dia muito feliz na minha carreira. Quando trabalhamos com paixão e com prazer, é sempre bom alcançarmos estas metas. Penso que 99% dos cozinheiros gostavam de algum dia ter uma estrela Michelin”, confessa ao Jornal Económico.

A procura aumentou desde que recebeu a estrela mais desejada do universo da cozinha? Garante que sim. “Já temos lista de espera para alguns dias e há quem reserve mesa para o mês seguinte”, diz. Mas trabalhar em hotelaria é duro. “ Quando os outros estão a jantar em família e a ter momentos de prazer, nós estamos a trabalhar”. António tem três filhos e raramente partilha uma refeição com eles. “Só aos fins de semana e nos dias em que estamos fechados.” Quando os miúdos chegam da escola, o chef e os dez elementos que integram a equipa de “A Cozinha” estão a iniciar um serviço, a cozinhar e a servir. “Fechamos no Natal, na Páscoa e dois dias por semana [domingos e segundas], porque também é importante garantir esse equilibrio à minha equipa, de forma a que consigam estar presentes nos momentos comuns da vida familiar”. António chega ao restaurante às nove da manhã, após a habitual ida ao mercado municipal, e por lá fica até às 23h30, altura em que, normalmente, acaba o serviço de jantar. “Depois ainda é preciso limpar a cozinha e orientar o serviço do dia seguinte.”

Mas lidar com os alimentos é uma paixão antiga e faz tudo com profundo prazer. Vem de uma família grande e foi habituado a jantares longos, cheios de pratos tradicionais. Talvez seja por isso que a gastronomia típica continue a ser a sua favorita e a principal inspiração das suas iguarias. Aos fins de semana nem sempre é ele a cozinhar mas quando o faz sabe que um “bom bacalhau, umas tripas à moda do Porto, um cabrito ou uma vitela assada” fazem a sua família feliz. Além da cozinha, tem outra paixão: ensinar. Vai dando aulas mas confessa que a agenda atual não lhe permite dedicar-se de forma mais assídua a essa faceta. “Talvez um dia me dedique só ao ensino”, admite.

Artigo publicado na edição nº 1981 de 22 de março do Jornal Económico

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