A expressão “Habemus Papam”, familiar ao povo católico, integra sempre a parte inicial do discurso onde é anunciado um novo Papa, colocando fim a um processo, não raras vezes, longo e secreto. É como que um “finalmente, temos eleito”!

Ora, mal comparado, é o que apetece pensar em relação à Declaração Mensal do Imposto do Selo, conhecida pelo acrónimo “DMIS”, tal o (já) longo “anúncio” em que tem estado envolta. Mas parece que, desta vez, vai haver mesmo fumo branco!

A DMIS foi introduzida pelo OE 2018. No Relatório do OE podia ler-se que a DMIS era introduzida “com vista a permitir um controlo mais eficaz por parte da administração fiscal”.

Contudo, a entrada em vigor da DMIS ficou a aguardar a publicação do seu modelo declarativo, o qual apenas viria a ser divulgado a 1.10.2019 (um ano e nove meses depois!), com entrada em vigor marcada para 1.1.2020 (prazo que viria a ser adiado mais do que uma vez).

No preâmbulo do documento reforçava-se: “pouco se tem progredido no que respeita à verificação dos valores liquidados versus efetivamente entregues nos cofres do Estado e dos benefícios fiscais concedidos. O sistema vigente mostra-se, assim, desadequado ao efetivo controlo da liquidação do Imposto do Selo”.

Ficava claro que a DMIS tinha como propósito possibilitar à Autoridade Tributária (AT) um maior controlo sobre o Imposto do Selo (IS) pago ao Estado.

A introdução da DMIS originou, contudo, o soar dos alarmes nos setores de atividade que são o maior “servidor” do Estado na recolha e entrega do IS. Na primeira linha bancos e seguradoras, sujeitos passivos por excelência em operações de crédito, garantias, seguros, entre outras.

Para além da introdução de (mais uma) obrigação declarativa que irá recair sobre estes setores, é em simultâneo eliminado o “mecanismo da compensação”, o qual sempre facilitou (e muito) a vida destas entidades, pois possibilitava (legitimamente) uma fácil recuperação de IS anulado por erro ou invalidade. Quem conhece minimamente o funcionamento da atividade financeira sabe o quão relevante é esta temática, considerando a frequência com que são anuladas operações.

Basta pensarmos no caso dos seguros onde, não raras vezes, o tomador solicita o cancelamento da apólice a meio da sua vigência (por exemplo, por conseguir melhores condições em outra seguradora) – nestes casos, tendo sido pago o prémio relativo a um período superior (por exemplo, anual), a seguradora tem de anular o IS relativo ao período não utilizado. Este é um exemplo, mas muitos outros podiam ser aqui mencionados.

A compensação era, de facto, um processo bastante prático e adequado face à realidade destes setores. Ora, ao ser revogado (e implementado um modelo em que a anulação de IS implica, na melhor das hipóteses, a substituição da DMIS), tal não pode ser bem visto por aqueles que terão que operacionalizar o novo processo, muito mais complexo, em tempos onde a grande bandeira é a… simplificação.

Entrar neste processo excessivamente oneroso é, contudo, a única alternativa que bancos e seguradoras têm para evitar (i) por um lado, ter de negar a devolução do IS aos seus clientes (com os consequentes impactos que tal teria em termos comerciais), ou (ii) por outro lado, ter que assumir o custo do IS não recuperado junto da AT (tal custo não seria sequer dedutível em sede de IRC).

A somar a tudo isto, a operacionalização da DMIS tem causado grandes desafios ao nível dos desenvolvimentos informáticos.

Assim, bancos e seguradoras transmitiram desde cedo as suas preocupações ao Sr. secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no sentido de o sensibilizar para o impacto da DMIS nestes setores.

A consequência inevitável de tudo isto (agravado pelos efeitos da pandemia que atravessamos) foi o sucessivo adiamento da entrada em vigor da DMIS, esperando-se agora que tal suceda (finalmente) em 2021. Se nada mais acontecer, a 1ª DMIS terá de ser entregue até 20.02.2021, relativamente às operações de janeiro.

Parece, assim, estar próximo o concretizar-se do “anúncio” da DMIS, perspetivando-se que entre em vigor 3 anos (!) após o OE 2018 a ter dado a conhecer ao Código do IS.

Para além dos desafios já descritos, será, acima de tudo, uma alteração de paradigma, na medida em que a AT passará a estar na posse de informação muito mais detalhada sobre as operações, os seus intervenientes e as isenções aplicadas, o que, necessariamente, colocará a AT numa posição privilegiada para um maior escrutínio do IS.

Caso se confirme que habemus (mesmo) DMIS em 2021, terão as entidades que adaptar-se rapidamente a este novo paradigma, que, a meu ver, extravasa em muito uma mera obrigação declarativa, colocando-se várias questões de ordem técnica (fiscal), porventura, invisíveis para aqueles que não tenham tanta proximidade com este complexo imposto.