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“Hands on Azores”: artes e ofícios tradicionais para o mundo atual

Promover o encontro e estabelecer redes sólidas de trabalho, essenciais para o progresso do setor, são as principais metas traçadas pelos curadores da 1ª edição do Hands on Azores, que vai ter lugar a 2 e 3 de junho em Ponta Delgada, São Miguel.
30 Maio 2023, 14h40

A 1ª edição do Hands on Azores, a nova iniciativa promovida pelo Centro de Artesanato e Design dos Açores (CADA), que vai ocorrer nos dias 2 e 3 de junho, tem no seu epicentro um Fórum internacional de debate e partilha de saberes, assim como uma Missão Empresarial que nasce da necessidade de colocar em diálogo a indústria e a comunidade artesanal do setor têxtil açoriano.

A curadoria do Fórum Artes Ofícios – Pensar o Fazer está a cargo da dupla de designers Kathi Stertzig e Álbio Nascimento, autores da Estratégia Nacional para as Artes e Ofícios Tradicionais, e mentores da Origem Comum, uma plataforma de investigação que preserva práticas ancestrais, recuperando saberes para criar novos modelos de produção. Objetivo? Levar a Ponta Delgada, São Miguel, referências do saber-fazer nacional e internacional, para, tendo por base as artes têxteis, debater os desafios que que hoje se colocam ao setor das Artes e Ofícios.

O Jornal Económico (JE) falou com os curadores da 1ª edição do Hands on Azores e quis saber como se pode valorizar o trabalho desenvolvido no âmbito das artes e ofícios, e fazer os consumidores perceberem a importância das artes tradicionais. “A valorização passa, antes de mais, pelo reconhecimento que esse trabalho e esses produtos conseguem atingir junto dos consumidores. Estamos sempre a falar da valorização do trabalho manual e das especificidades do saber-fazer a ele associado. Nesta perspetiva, o foco está em dar a conhecer às pessoas os benefícios e a beleza que há na utilização de produtos artesanais, de preferência feitos com materiais naturais. E as vantagens que daí advêm têm impacto direto ao nível ecológico, social, cultural ou económico”.

Os mentores da Origem Comum acrescentam que “a produção artesanal tem uma escala controlada de repetição, o que resulta no uso mais inteligente de recursos e competências. Mas também em transparência e proximidade, o que é bom para todos: produtor e consumidor. Por consequência, adquirir estes produtos ou produzir desta forma é participar ativamente numa economia mais responsável”.

Não menos importante é evidenciar o valor cultural do saber e do fazer artesanal e a importância de manter esse conhecimento vivo, como algo atual. Para isso, explicam, é fundamental “lembrar as pessoas que a predominância da indústria globalizada destrói a diversidade e nos empobrece a todos”. Querem acreditar que “todos estes fatores convergem para uma alteração consciente nos comportamentos de consumo. Um consumo mais informado, mas também mais estratégico. O preço não é tudo, pelo contrário. E as pessoas deviam ter presente que, se não estão a pagar o custo total dos produtos que compram, alguém estará. Ao comprar produtos artesanais, de preferência feitos com materiais naturais e técnicas de produção tradicionais, estamos a privilegiar a proximidade e a contribuir para um futuro mais equilibrado”.

Artes tradicionais e economia local

O impacto que as artes tradicionais têm na economia local não é despiciendo. Até porque “a pequena escala das produções artesanais é resiliente e contribui para a estabilidade económica das comunidades locais. Muitas são fruto de investimento próprio de um artesão ou coletivo, o que resulta num envolvimento pessoal na gestão e um compromisso particular com o negócio”, esclarecem os curadores.

“A pequena escala também significa equipamentos mais controláveis que, com adaptações e ajustes, tornam estas atividades mais aptas a resistir às oscilações do mercado. A cadeia de produção e distribuição é totalmente controlada pelo próprio artesão, sendo o impacto económico do negócio mais imediato, com menos intermediários e consequentemente com maior controlo do valor de venda”, realçam.

A isto acresce o potencial de fixação de pessoas em territórios com baixa densidade populacional. “As empresas de produção manual são a coluna que suporta as economias locais e contribuem significativamente para a fixação de pessoas em territórios do interior ou de baixa densidade. Representam uma alternativa significativa ao formato «emprego», pouco disponível nestas zonas, geram negócios independentes e formas viáveis de rendimento”, refere a dupla de designers Kathi Stertzig e Álbio Nascimento.

Um espaço de troca de saberes e experiências

Da investigação ao turismo, passando pela educação, o Hands on Azores está organizado em torno de três painéis que visam, no seu conjunto, dar pistas sobre como o saber-fazer artesanal pode estar no centro das atividades culturais e económicas. Nas palavras dos curadores, o fórum a realizar em Ponta Delgada nos dias 2 e 3 de junho, quer ser “um espaço onde a troca de saberes e experiências proporcione novas perspetivas sobre a contribuição das artes e ofícios tradicionais para o mundo atual”.

As expetativas da organização em relação à 1ª edição de Hands on Azores é grande, mas também realista. “Passaram-se 23 anos sobre o I Simpósio de Artes e Ofícios dos Açores em 2000, que inaugurou a reflexão e debate sobre o setor do artesanato no arquipélago. Em novembro de 2006, realizou-se o II Simpósio, subordinado ao tema «Fronteiras do Futuro», que tornou a colocar na agenda as políticas direcionadas para a produção artesanal. Desde então tem vindo a perder-se a prática de discutir os desafios do setor. O Fórum pretende trazer de volta essa energia e incentivar o debate sobre a relevância da produção artesanal.

A comunidade local não foi deixada de lado, e o programa desta 1ª edição reflete a vontade de “dar espaço ao diálogo, incentivar o debate e a reflexão. O contacto com as experiências partilhadas pelos oradores, que quebram a tendência comum nos eventos sobre artes e ofícios”, salientam os fundadores da Origem Comum.

Pensar o Fazer

Muitas vezes, as artes e ofícios tradicionais são mal-entendidos em termos da sua escala de produção, que em muitos casos é sinónimo de vantagem competitiva, e da sua capacidade de resiliência económica. “Os trabalhos de artesãs, artistas ou designers procuram, hoje, modelos que resistam à expectativa de novidade imposta pelos mercados. Ao mesmo tempo, estão cientes da importância de continuar a criar propostas responsáveis, lúcidas e informadas que enriqueçam o quotidiano e nos protejam da alienação”, lê-se no manifesto da Hands on Azores.

Neste contexto, os produtos artesanais são “resultado de uma abordagem consciente, que respeita o meio ambiente e promove o uso inteligente dos recursos naturais. Além disso, cada objecto transporta consigo o saber e o fazer de muitas culturas e de muitos lugares, o que lhe atribui o seu carácter intemporal”, realça o site do evento.

Para a dupla de curadores, “este é um setor que tem vindo sucessivamente a ser pensado por intervenientes externos. O Fórum Pensar o Fazer tem a ambição de devolver a palavra aos artesãos e aos agentes associados. Para tal foram convidadas pessoas que estão no terreno e trabalham diariamente com as questões que estão a ser debatidas, em contextos reais e diversos. Fica também o objetivo de voltar a cultivar o encontro de pessoas e incentivar o debate”.

Nos painéis de debate fala-se de futuro e lançam-se sementes

“A abertura ao mercado global e o crescente interesse da indústria de tendências colocam pressão sobre oficinas e artesãos, tardando em cumprir a promessa de uma nova viabilidade para o sector artesanal”. A verdade é que os métodos artesanais mais tradicionais desafiam a automatização da produção industrial, apresentando soluções originais e estéticas que são uma alternativa à uniformização visual das tendências globais.

Os painéis de convidados apresentam um panorama vasto e interdisciplinar de experiências originais que vão da investigação à educação e ao turismo, e que provam que o saber-fazer artesanal pode estar no centro das atividades culturais e económicas. Para ilustrar as diferentes possibilidades que se colocam, os painéis do fórum convocaram, entre muitos outros convidados, os brasileiros Renato Imbroisi e Josiane Masson da Artesol, as portuguesas Helena Loermans e Guida Fonseca, e o espanhol Martín Azúa.

O futuro está em marcha e as sementes que se querem lançar na 1ª edição do Hands on Azores são sintetizadas assim por Kathi Stertzig e Álbio Nascimento: “os desafios do presente e a sustentabilidade das artes e ofícios apresentam-se como grandes metas” desta iniciativa. Assim como “promover o encontro e estabelecer redes sólidas de trabalho revela-se essencial para o progresso do setor. Queremos que os debates nutram as reflexões e abram caminho para as decisões e políticas públicas a adotar”.

Hands on Azores acontece na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, as inscrições são gratuitas e estão abertas para quem queira assistir ou participar, de modo presencial ou online, através de streaming. Basta aceder aqui à ficha de inscrição.

Deixamos aqui o programa do Hands on Azores:

02 de junho | 10:40 | Painel I

Quão relevante é o saber fazer ancestral/tradicional para o mundo contemporâneo?

Moderador: Álbio Nascimento

14:30 | Painel II

Quais os desafios e benefícios da relação entre a indústria e a produção artesanal? Missão Empresarial Têxtil | Hands on Azores Crafts

Moderador Alexandra Ávila Trindade

21h30 | Cinebar

Projecção de filmes – Série Designers do Brasil

*

03 de junho | 10:00 | Painel III

Como é que o “feito à mão”, a origem cultural ou a produção ética e ecológica se transformam em sustentabilidade económica para uma actividade/empresa artesanal?

Moderador Álbio Nascimento e Kathi Stertzig

14:00 | Oficinas de Reflexão

18:00 | Encerramento oficial


21:30 | Cinebar

Projecção de filmes – Origem Comum + A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria

Projecção de filmes de ambos os projectos sobre e com artesãos, comentados por Tiago Pereira, Álbio Nascimento e Kathi Stertzig. Seguido de conversa com o público.

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