Era uma vez uma mulher. Era uma vez uma mulher que sonhava. Era uma vez uma mulher que sonhava ser mãe. Era uma vez uma mulher que sonhava ser mãe da Maria e do Luís. Era uma vez uma mulher que sonhava ser mãe da Maria e do Luís, mas que não conseguiu.

Esta é a história de uma mulher que quis ser, mas, hoje, sabe que não será. Esta é a história do fim de um sonho. Fim.

Fim: o sonho caiu, estatelou-se e dizimou aquela mulher que queria ser. Aquela mulher que já não vai ser. Aquela mulher que queria parir para ser. Aquela mulher que não pariu e não é. Mãe.

Escrevo este texto, que nada de relevante tem certamente para a maioria das/os leitoras/es, mas faço-o porque quero despedir-me desta mulher que não chegou a ser. Quero despedir-me de mim, do meu sonho, do meu ser.

Neste início de ano – cruel para o ser que não se concretizou, afinal – sinto que sinto aquilo que tantas outras mulheres quiseram, mas não conseguiram. Ser. Ser mãe de uma Maria e de um Luís. Sinto-me mutilada – não só porque os meus ovários desligaram de vez – mas porque o meu corpo não me acompanhou e não me ajudou a ser. Sinto-me paralisada no tempo, o observar a parte arrancada de mim, sem qualquer hipótese de volta.

Corri. Corri muito. Corri muito pelo sonho de ser. Cansei-me. Chorei-me. Castiguei-me. Desisti-me. Entristeci-me. Abandonei-me. Aceitei-me. Talvez consiga existir. Aqui, no meio da multidão cheia de pressa de ser, ou no meio da solidão que teima quebrar-se porque há tantas Marias e Luíses que nasceram e os progenitores não quiseram/puderam ser: mãe, pai.

Hoje caí. Não quero falar. Não quero conforto. Não quero esperança. Quero apenas existir. E não quero mais sonhar ser. Talvez amanhã me levante, alongue os pensamentos e deixe que o querer ser seja outro caminho. Porque este acabou.

Dedico este texto a todas as mulheres que tentaram ao longo de décadas parir – este ser mãe físico, intenso, intransmissível – e não conseguiram. Chamam-nos inférteis. Mas somos o que sentimos: arredadas da possibilidade de ser para gerar um ser.

Nota: não me sinto menos mulher: apenas uma mulher triste e zangada (por ora) com o corpo que não quis ser.