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Índia quer substituir Ucrânia como celeiro do mundo, mas especialistas têm dúvidas

“As interrupções no fornecimento e a ameaça de embargo enfrentados pela Rússia significam que essas exportações devem ser retiradas da equação. A Índia pode intervir para exportar mais, especialmente quando tiver stocks suficientes de trigo”, disse um economista da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
19 Abril 2022, 21h00

A invasão russa à Ucrânia provocou um aumento de preços dos alimentos e da energia, e levantou preocupações com a segurança alimentar global uma vez que ambos os países são os principais exportadores de trigo, e fornecedores importantes de milho, óleo e cevada. A Índia pode e quer ser uma alternativa para abastecer o mundo, mas a opinião dos especialistas divide-se, de acordo com a “BBC”.

Na semana passada, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi disse ao presidente dos EUA, Joe Biden, que a Índia estava pronta para enviar alimentos para o resto do mundo, garantindo que o país tem “comida suficiente” para a sua população de 1,4 mil milhões e para fornecer stocks de alimentos ao mundo de imediato se a Organização Mundial do Comércio (OMC) permitir.

Ora, a Ucrânia e a Rússia são responsáveis por cerca de um terço das vendas globais de trigo, 55% de óleo de girassol e 17% de milho e cevada. Juntos, deveriam exportar 16 e 14 milhões de toneladas de milho e trigo, respetivamente, só este ano, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (UNFAO).

“As interrupções no fornecimento e a ameaça de embargo enfrentados pela Rússia significam que essas exportações devem ser retiradas da equação. A Índia pode intervir para exportar mais, especialmente quando tiver stocks suficientes de trigo”, disse o economista da UNFAO Upali Galketi Aratchilage.

A Índia é o segundo maior produtor de arroz e trigo do mundo: exporta arroz para quase 150 países e trigo para 68. No ano fiscal de 2020, exportou cerca de sete milhões de toneladas de trigo. Face ao aumento da procura no mercado internacional, já fecharam contratos para exportações de mais de três  milhões de toneladas de trigo entre abril e julho, segundo as autoridades. No ano fiscal de 2021, que encerrou a 31 de março de 2022, as exportações agrícolas ultrapassaram um recorde de 50 mil milhões de dólares (cerca de 46,3 mil milhões de euros).

No início de abril, havia 74 milhões de toneladas dos dois produtos em stock. Desse total, 21 milhões foram mantidas em reserva estratégica e para o Sistema Público de Distribuição, que dá acesso a alimentos baratos a mais de 700 milhões de pobres.

A Índia tem capacidade para exportar 22 milhões de toneladas de arroz e 16 milhões de toneladas de trigo este ano fiscal, de acordo com o professor de agricultura do Conselho Indiano de Investigação em Relações Económicas Internacionais, Ashok Gulati. “Se a OMC permitir que os stocks do governo sejam exportados, esse valor pode ser superior, o que vai ajudar a arrefecer os preços globais e a reduzir a carga dos países importadores a nível global”, disse.

Contudo, há quem tenha reservas. “Temos stocks suficientes de momento. Mas há algumas preocupações, e não devemos ficar entusiasmados com a ideia de alimentar o mundo”, disse Harish Damodaran, do Centro de Estudos de Políticas.

Primeiro, há temores de uma colheita menor do que a antecipada: a nova temporada de trigo na Índia está em andamento e as autoridades projetam um recorde de 111 milhões de toneladas colhidas, mas especialistas como Damodaran não estão convencidos.

O membro sénior do think tank sediado em Deli acredita que a escassez de fertilizantes e as chuvas excessivas no inverno e o calor severo no início do verão vão ter um impacto negativo. “Estamos a superestimar a produção”, disse. “Vamos saber mais dentro de dez dias”.

Uma maneira de contornar a escassez de fertilizantes, cujos preços estão a escalar uma vez que a Rússia e a Bielorrússia respondem por 40% das exportações mundiais de potássio, é a Índia explorar “acordos de trigo por fertilizantes” com países como o Egito e a África, como defende Damodaran.

Em segundo lugar, se a guerra se prolongar, a Índia poderá enfrentar desafios logísticos para aumentar as exportações, para além da questão dos custos de transportes mais elevados. “A exportação de grandes volumes de cereais envolve uma enorme infraestrutura como transporte, armazenamento, navios”, disse Aratchilage.

Por fim, a nível interno, há a preocupação primordial com a inflação dos alimentos, que atingiu um recorde de 16 meses para 7,68% em março. O banco central da Índia alertou sobre “elevadas pressões globais sobre os preços dos principais alimentos” como os óleos comestíveis, vegetais, cereais, leite, carne e peixe, que geram uma incerteza sobre os valores que podem atingir.

Segundo a própria admissão do governo , mais de três milhões de crianças continuam subnutridas na Índia. “Não se pode ser arrogante quanto à segurança alimentar. Não se pode brincar com a comida destinada ao sistema de alimentos subsidiados”, alerta Damodaran, especialmente se se tiver em conta que os governos estadual e federal caíram no passado por causa dos elevados preços da cebola, segundo a “BBC”.

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