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Instabilidade no mercado reacende discussão sobre fiscalidade dos combustíveis

A guerra na Ucrânia veio criar uma ainda maior instabilidade nos mercados dos combustíveis, acendendo os debates sobre a fiscalidade e prometendo acelerar a transição energética.
1 Abril 2022, 00h03

A fiscalidade sobre os combustíveis tem-se agravado, nos últimos anos, de forma generalizada, traduzindo a decisão política para a utilização de recursos endógenos – à medida que a tecnologia e o mercado o vai permitindo – e a perceção, especialmente desde a eclosão da pandemia de Covid-19, de que vivemos uma situação de emergência climática a que é preciso responder. Aliás, a União Europeia comprometeu-se, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 55 %, até 2030 (face a 1990), e definiu a meta vinculativa de alcançar a neutralidade climática até 2050. Também o primeiro-ministro português definiu a resposta à emergência climática como com um dos principais desafios do novo Governo, que estará em funções até 2026.

O agravamento da fiscalidade que incide sobre os combustíveis tem vindo a observar-se não apenas no que respeita ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o qual, “sendo uma percentagem ad valorem, acompanha imediatamente o aumento do preço das matérias-primas nos mercados internacionais – não existindo, por conseguinte, qualquer necessidade de atualização deste imposto –”, mas, sobretudo, em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), a componente específica diz ao Jornal Económico (JE) Amílcar Nunes, associate partner de Indirect Taxes da consultora EY. “Em termos agregados, se no início dos anos 2000 o ISP correspondia sensivelmente ao valor das taxas unitárias de imposto aplicadas sobre o preço dos combustíveis, hoje em dia, o apuramento global do ISP obriga a que se considere também quer o valor da Contribuição de Serviço Rodoviário, quer o valor da Taxa de Carbono”, acrescenta.

Nos últimos anos, o peso do ISP em termos daquilo que é a receita fiscal do Estado tem correspondido a cerca de 8% do valor da arrecadação total de impostos. Para se ter um exemplo, em 2021 foram arrecadados 3.402 milhões de euros em sede de ISP, de um valor total de receita fiscal de cerca de 43.886 milhões de euros. É necessário recuar sete exercícios, até ao ano de 2015, para se observar um peso da receita de ISP significativamente menor, de cerca de 5% do valor total arrecadado pelo Estado em receitas fiscais. Para o aumento de três pontos percentuais do peso do ISP no conjunto dos impostos, para 8%, em muito contribuiu a introdução da chamada Taxa de Carbono.

O peso da fiscalidade
Quando falamos de fiscalidade, a primeira nota refere-se, geralmente, ao facto de o IVA incidir, também, sobre o ISP, acrescentando imposto ao imposto, o que leva muitos a apontarem tratar-se de um caso de dupla tributação, mas que não pode ser assim considerada. “Nos termos da sua construção legislativa enquanto tributo, a base tributável das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA inclui os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com exceção do próprio imposto sobre o valor acrescentado. Ou seja, o IVA incide praticamente sobre tudo, exceto sobre ele próprio – caso em que ocorreria uma sujeição indevida de IVA sobre o próprio IVA”, explica Amílcar Nunes.

“O que se nota relativamente ao ISP é que ao longo dos anos a sua estrutura tem sido complementada com contribuições adicionais e taxas diversas, de que é exemplo disso a Taxa de Carbono, introduzida precisamente como forma de compensar o efeito de arrecadação fiscal reduzido pela diminuição do preço do crude nos mercados internacionais. A resolução do peso excessivo da fiscalidade sobre os combustíveis passa para uma reformulação do ISP e a sua adequação às novas fontes energéticas, de cariz renovável. Não se trata de criar um novo imposto sobre o sol (como aconteceu em Espanha em 2015, felizmente, já extinto), mas sim de adequar a estrutura tributária e o próprio mix do ISP às novas formas de mobilidade e produção energética”, explica.

Tempestades perfeitas
Entretanto, nos últimos dois anos, no decorrer da pandemia, a procura, naturalmente, caiu, devido às limitações na mobilidade e em muitas atividades que tiveram de encerrar, total ou parcialmente, por alguns períodos de tempo; e o mercado respondeu reduzindo a oferta. Quando a atividade voltou a aumentar, os preços mostram que a oferta não acompanhou o mesmo ritmo, sendo pela menor produção ou dificuldades de transporte e distribuição ou, ainda, perspetivas de alterações estruturais relacionadas com novas regras. Segundo o Eurostat, entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021, o preço de importação da energia na área do euro mais do que duplicou – subiu 115% –, enquanto os preços no produtor doméstico de energia aumentaram 73%. O gabinete de estatísticas europeu diz que se trata de uma situação sem precedente, porque o ritmo de aumento dos preços da energia importada foi quatro vezes superior ao normal. “Os preços, embora bastante voláteis, não se alteraram mais do que cerca de 30% durante um ano. Os preços dos produtores doméstico não variaram mais do que cerca de 10% ao ano”, refere. Depois veio a invasão da Ucrânia pela Rússia, que acelerou de forma significativa esta tendência, tornando visível a dependência que a Europa tem do gás natural, do petróleo e do carvão russos.

A esta degradação do enquadramento juntou-se, a 24 de fevereiro, a guerra, quando a Rússia – um fornecedor de energia fundamental para a Europa – invadiu a Ucrânia, criando uma tempestade sobre outra tempestade, porque acelera todas as tendências que estavam já delineadas.

Como responder?
Neste quadro, o que podem as empresas fazer para enfrentar a volatilidade nos preços dos combustíveis? “Da mesma forma que a Idade da Pedra não terminou porque deixou de haver pedra, a idade dos combustíveis fósseis – chamemos-lhe assim – não terminará com o fim das reservas mundiais de petróleo. De facto, note-se que só a Venezuela detém reservas superiores à procura mundial atual de crude, que podiam ser utilizadas ininterruptamente por um período, estima-se, superior a dez anos”, considera Amílcar Nunes. Na análise que faz à atual situação, o especialista da EY considera que as tempestades em curso dificilmente têm capacidade para alterar as tendências de fundo. “É certo que a procura mundial por petróleo diminuirá nas próximas décadas, sem que haja uma escassez do lado da oferta, bem pelo contrário”, aponta. “A transição energética veio para ficar, acelerada pelo conflito na Ucrânia e pela necessidade de redução (ou, pelo menos, a necessidade de estancar essa tendência de evolução perigosa) do aquecimento global”, sublinhando que, “no âmbito da estratégia de descarbonização da União Europeia até 2050, as empresas podem e devem apostar numa transição energética, sobretudo ao nível da mobilidade, aproveitando para o efeito o conjunto de benefícios existentes, nomeadamente, ao nível do Fundo Ambiental, entre outros”.

Facto é que a escalada dos preços de energia colocou novamente no centro da agenda as estratégias de mobilidade elétrica, como alternativa aos motores de combustão, incentivando a aceleração do processo de transição energética. “Da mesma forma que o Fracking ou petróleo de xisto apenas é rentável com o barril [de petróleo] a cotar entre os 85/90 dólares, as barreiras à entrada no mercado das viaturas elétricas são tanto menores consoante o aumento do preço do gasóleo e gasolina rodoviários”, diz Nunes. “É o caso da frota automóvel de energias alternativas em Portugal. Em 2021 foram matriculadas 51.557 viaturas movidas a energias alternativas, o que correspondeu a mais de 30% dos automóveis matriculados o ano passado”, aponta.

Os custos da mobilidade são importantes para as organizações, mas também para os particulares, que deverão fazer face à atual situação procurando alternativas aos combustíveis fósseis tradicionais, aproveitando, sempre que possível, os benefícios existentes nos programas de incentivo à transição energética. “Serão igualmente estratégias vencedoras os novos modelos de economia partilhada, carsharing ou coworking, para além de dinâmicas de aproveitamento circular de recursos, as quais justificam cada vez mais a mudança de comportamentos por parte dos consumidores, no sentido, sobretudo, da redução da dependência automóvel individual”, defende o responsável da EY.

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