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Jerusalém: Decisão dos EUA “menospreza a ONU”

Posição de força da UE contra Donald Trump pode ser um dado importante para que a violência não se espalhe a todo Médio Oriente. O presidente dos EUA e Netanyahu ficaram a falar sozinhos.
  • Mohamad Torokman/Reuters
19 Dezembro 2017, 07h05

A decisão dos Estados Unidos reconhecerem a cidade de Jerusalém como capital política de Israel configura “um menosprezo da parte dos Estados Unidos pela ONU”, disse ao Jornal Económico o politólogo António Costa Pinto – para quem, aliás “é algo a que nos temos habituado por parte da administração Trump em relação a várias instituições internacionais”.

Sem se poder afirmar que este será o primeiro passo para o eclodir de uma nova guerra entre israelitas e palestinianos – ou pelo agudizar dos confrontos que tendem a não parar há cerca de 40 anos – António Costa Pinto é de opinião que a decisão “provavelmente provocará a radicalização da resposta da Palestina”. E isso, tudo o indica, acabará por constituir uma espécie de reação em cadeia: “haverá também mais fundamentalismo da parte de Israel, possivelmente com a constituição de novos colonatos”, disse ainda o politólogo – que são afinal, e principalmente, uma forma de colonizar extensões de terreno que era suposto pertencerem à Palestina.

Não foi por acaso que o presidente francês, Emmanuel Macron, pediu este fim de semana ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de passagem por Paris a caminho de Bruxelas, que tivesse “um gesto de generosidade” e não avançasse com novos colonatos.

O sheik David Munir, responsável pela Mesquita de Lisboa e uma das mais importantes figuras da comunidade muçulmana portuguesa ou radicada em Portugal, também assume, em entrevista ao Jornal Económico (ver página ao lado), a mesma contenção verbal. Não afirma que a decisão de Trump é o primeiro passo para uma guerra mais dura que aquela espécie de guerrilha intermitente que se verifica entre os dois países há muitos anos, mas aponta para uma evidência: “é atirar lenha para uma fogueira” que arde há mais de 40 anos e que nunca ninguém conseguiu verdadeiramente extinguir.

Os acontecimentos nos dias seguintes ao anúncio da decisão da administração Trump vêm, de qualquer modo, introduzir o pior. Em várias cidades do mundo islâmico – desde logo no Líbano, onde a crise da demissão do primeiro-ministro e a sua fuga para a Arábia Saudita ainda não está sanada – a resposta foi violenta e prevaleceu ao longo de vários dias.

União Europeia acertou

Mas, desta vez – ao menos por uma vez – a União Europeia parece ter andado bem. É essa a opinião tanto de Costa Pinto como de David Munir. Pouco tempo depois da decisão dos EUA ser conhecida, Netanyahu meteu-se num avião com destino a Paris e a Bruxelas, mas não sem antes se ter queixado das dificuldades em a UE articular uma posição comum face ao conflito entre Israel e a Palestina.

Desta vez, essa dificuldade não existiu – muito por culpa do Reino Unido, como o politólogo não se esqueceu de referir: “nem sequer os britânicos, normalmente em linha com os EUA, seguiram a decisão de Trump”. E como não existiu, Netanyahu foi-se embora da mesma maneira que tinha chegado: sem conseguir somar qualquer decisão da parte de um país da UE em aceitar Jerusalém como a capital política sionista. Para todos os efeitos, esta decisão em bloco da União Europeia teve várias consequências. Desde logo, deixou isolada a decisão dos EUA, remetendo a administração Trump para a margem do mundo diplomático, que, podendo ter muitos defeitos e preferir muitas vezes simulações a assunções, não costuma gostar de ser desconsiderado.

Depois, forneceu um forte apoio à decisão já antiga da ONU de conferir a Jerusalém o estatuto especial de que goza – por muito que esse estatuto não seja suficiente para calar a violência endémica que se verifica na cidade, velha de uns 2.500 anos. Sendo certo que a ONU não iria mudar a sua resolução se se sucedessem vários apoios à decisão dos EUA, a verdade é que, não tendo surgido nenhum, o organismo liderado pelo português António Guterres sai reforçado. O que, de algum modo, acrescenta ainda mais àquilo que António Costa Pinto caraterizou como “menosprezo”.

Por último, mas isso é uma dúvida que fica, talvez que se a UE não tivesse exibido um rotundo ‘não’ na cara de Netanyahu, a violência no Médio Oriente tivesse sido ainda mais grave e a contagem de mortos tivesse sido mais volumosa.

Desagrado geral

O desagrado pela decisão de Trump chegou também dos países que o presidente dos EUA possivelmente menos esperava: o mundo árabe sunita, nomeadamente a Arábia Saudita e o Egito. O enquadramento para o anúncio da decisão – recorde-se que Trump já tinha ‘ameaçado’ com ela nas primeiras semanas na Casa Branca, mas tinha sido dissuadido pela própria entourage – parecia ser o mais conveniente.

De facto, Trump quis alinhar pelo aprofundamento da confrontação cada vez mais séria entre sunitas e xiitas – ou entre a Arábia Saudita e o Irão – e uma das linhas de força desse aprofundamento foi precisamente convencer a parte sunita de deixar de ser hostil a Israel. Mas, aparentemente, há coisas que são demais: nem mesmo com este novo jogo de equilíbrios no Médio Oriente foi possível à Arábia Saudita saudar a decisão de Donald Trump.

Resta agora saber qual será a evolução do estranho caso, mas o certo é que tudo pode confluir para uma situação estranha e a todos os títulos embaraçosa, mais uma, para Trump: Jerusalém, que já era a capital de Israel para os israelitas, será a partir de agora a capital de Israel também para os norte-americanos – para o resto do mundo fica tudo na mesma.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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