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João Galamba: “Em 2018 e 2019, o país dispensa brilharetes orçamentais”

Em entrevista ao Jornal Económico, João Galamba defende que está na altura de dar maior prioridade aos serviços públicos e ao investimento. E assume a sua ambição de integrar o próximo Governo, visando as pastas de Finanças ou Economia.
28 Abril 2018, 12h00

O processo de recapitalização da CGD fez com que o défice público de 2017 derrapasse para cerca de 3% do PIB. Isto mancha o desempenho do atual Governo ou, pelo menos, estraga o brilharete do “menor défice em democracia”?

Não, penso que não. Aliás, independentemente dos debates estatísticos e contabilísticos, parece-me haver um relativo consenso entre o Governo português e as instituições europeias, nomeadamente quem tem a responsabilidade de avaliar e acompanhar o cumprimento das regras em matéria de finanças públicas, além da perspetiva dos investidores internacionais e das agências de rating, de que se trata apenas de um debate meramente contabilístico e não tem relevância, nem deve ser um dado que pese na avaliação da evolução das contas públicas de Portugal no ano de 2017. E tanto é assim que na segunda-feira soube-se que a CGD foi incluída no défice e hoje os juros da dívida baixaram. A dívida, que é o relevante nesta matéria, uma operação que implicou um aumento do endividamento, a dívida foi registada no ano de 2016. Portanto, no ano de 2017, o que tivemos foi contabilisticamente um défice de 3%, mas o défice relevante, da perspetiva de evolução da dívida pública, não é esse… É de 0,92%. E a dívida baixou um pouco mais de cinco pontos percentuais. Em suma, não daria grande importância a isso, embora concorde com o ministro das Finanças, e com o INE, de que há argumentos fortes para a sua não inclusão no défice. O importante é que foi recapitalizada a CGD e o esforço financeiro envolvido nessa operação, o inerente aumento do endividamento público, foi registado no ano de 2016.

Como é que se explica que em 2018, mais de uma década após a crise do subprime, ainda se esteja a resgatar e recapitalizar bancos em Portugal?

A explicação tem uma razão, neste caso, puramente portuguesa. Porque houve países que tomaram medidas bastante vigorosas, inicialmente. Num certo sentido fizeram o front-loading [resposta antecipada] da recapitalização da banca e nós fizemos o back-loading [resposta adiada ou gradual]. Ou seja, fizemos sempre recapitalizações pelos mínimos, tendo como objetivo o cumprimento de metas orçamentais e não a estabilidade financeira. E isso teve custos, porque se adiaram recapitalizações. Temos o caso do BES em que isso é muito evidente, até foi celebrado como banco que não necessitou de ajuda pública, mas afinal necessitava e não era pouca. Temos o caso do BANIF, que foi empurrado com a barriga para depois das eleições, com os custos que se conhecem. E temos a CGD em que, ao invés de termos o Estado a comportar-se como um acionista responsável que valoriza e capitaliza o seu ativo, para que possa desempenhar as suas funções, sobretudo na altura mais difícil da crise, foi feito exatamente o oposto.

Estão asseguradas as condições para que, na próxima crise, os contribuintes portugueses não tenham que voltar a resgatar bancos? O sistema financeiro está mais sólido nesse sentido?

O sistema financeiro está, sem dúvida, mais sólido. A regulação apertou. Os rácios de capital, liquidez e alavancagem são hoje mais exigentes. Portanto, a banca portuguesa está globalmente mais sólida. Mas tem um problema de rentabilidade que se prende com o facto de a curva de rendimentos ser bastante horizontal. Normalmente os bancos financiam-se a curtíssimo prazo, barato, e emprestam a médio prazo, um pouco mais caro. Ganham com essa margem. A curva de rendimentos está mais horizontal e a margem diminui. E há ainda o peso do malparado que reduz a rentabilidade da banca. Recuperar os níveis de rentabilidade é muito importante. Esperemos que isso não seja feito só à custa dos clientes, mas sim com oportunidades de investimento e crescimento de volumes de crédito. E também com a resolução sistémica do problema dos NPL [non-perfoming loans, créditos malparados]. Penso que é importante encontrar uma solução para os NPL. Não só desperdiçam capital que tem de estar afecto a créditos não produtivos, mas também baixam significativamente a rentabilidade dos bancos. É o passo final que falta dar. Já foram tomadas medidas nesse sentido, os bancos criaram uma plataforma para gerir o crédito malparado. Tenho dúvidas de que essa plataforma tenha efeitos significativos. É importante criar uma solução sistémica e global para todo o sistema financeiro, retirando os NPL dos balanços dos bancos.

A tendência de concentração no setor bancário, sobretudo em grupos espanhóis, não poderá ter efeitos negativos na economia portuguesa?

Tendo perdido a soberania monetária, não emitindo moeda própria, ter um setor financeiro de base nacional sólida é um second best [segunda melhor opção]. Não será a mesma coisa do que ter um banco central próprio, mas é importante ter instituições financeiras sólidas e com uma forte base nacional. Penso que alguma concentração é inevitável. É muito difícil para uma pequena economia ter uma parte muito significativa do seu setor financeiro em base nacional. Aliás, há países europeus, pequenos, em que a banca é toda estrangeira. Neste momento nós temos vários bancos estrangeiros, mas temos pelo menos dois, a CGD e o Montepio Geral, que mantêm uma base estritamente nacional. É por essa razão que a recapitalização da CGD foi tão importante. E é por essa razão também que a estabilidade do Montepio Geral, sem que se torne um banco estrangeiro, é do interesse nacional que seja assegurada. Obviamente que não a todo o custo, mas se for possível manter, além da CGD, outro banco de base nacional, seria importante assegurar isso. Se for possível, tanto melhor para o país.

Mas não vê com preocupação a entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no capital do Montepio Geral, com tantas dúvidas em torno da avaliação do banco?

Acho que é importante conhecermos o estudo que levou à avaliação do Montepio Geral e que sustentou a decisão da direção da SCML de avançar para este negócio. Mas o que me parece ser importante é que, independentemente da entrada da SCML e outras entidades do terceiro setor no capital do Montepio Geral, há um reforço da parceria estratégica entre o Montepio Geral e o setor social que encontra tradução, por exemplo, na nomeação de um presidente da Assembleia Geral que é o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, e de dois administradores não executivos, sendo que um deles é o atual provedor da SCML, Edmundo Martinho. Esta aliança estratégica, penso que pode ser importante para ambas as partes.

O investimento público aumentou em 2017, mas continua abaixo do valor executado nos anos da “troika”. É a única forma de manter o défice sob controlo?

Não, até porque o investimento público, como é muitas vezes financiado por fundos europeus, nem é uma variável que tenha uma influência muito positiva no controlo do défice. Porque se é certo que se gasta menos, também se recebe menos fundos europeus. E portanto o saldo, quando o investimento com fundos europeus fica aquém do esperado, o impacto no défice é muito reduzido. Ou até pode ser negativo, porque se tivermos em conta dois efeitos, quer a comparticipação de fundos europeus, quer depois o efeito positivo na economia e nas receitas fiscais, o saldo global de um investimento aquém do orçamentado, ou do desejável, tenho muitas dúvidas que contribua para reduzir o défice. Dito isto, cresceu este ano, para 1,8% do PIB, ainda é um valor muito baixo. Temos um desafio grande em 2018 e 2019, anos em que os fundos europeus e os grandes projetos, na ferrovia e noutras áreas, terão um maior peso e o investimento vai crescer. Nós agora estamos numa altura de forte crescimento, espero que a meta que consta do OE de 2018 seja cumprida. Implicaria passar de um crescimento do investimento em cerca de 25% para 33%, ou seja que acelerasse em 2018. Não vejo razão para que isso não aconteça. Sobretudo tendo em conta os bons resultados em matéria de redução do défice em 2017, excluindo a CGD. Como foi uma redução do défice bastante superior à prevista, eu penso que 2018 e 2019 poderiam ser anos em que se desse menos atenção a brilharetes orçamentais. Eu penso que em 2018 e 2019 o país dispensa brilharetes orçamentais. Basta cumprir o que está orçamentado e, portanto, dar uma prioridade ainda maior do que tem sido dada aos serviços públicos e ao investimento.

A dívida pública tem vindo a ser reduzida, mas continua num patamar elevado: cerca de 126% do PIB. É sustentável? A reestruturação da dívida foi colocada de parte?

O importante na dívida é que haja uma trajetória sustentável da sua redução, da sua gestão. É público que eu no passado defendi a reestruturação da dívida, sempre num quadro europeu, assinei o “Manifesto 74” que, aliás, partiu de um debate lançado pela própria Comissão Europeia. Nós tínhamos juros muito elevados e hoje temos juros historicamente baixos. Se este enquadramento financeiro se mantiver, a nossa dívida é gerível. Embora nós tenhamos um saldo primário muito elevado que eu considero negativo, pode ser necessário para a redução dessa dívida, mas impõe custos ao país porque retira recursos a outras áreas. Eu entendo, e é uma prioridade do Governo português, dar passos no sentido de tornar a zona euro funcional. Há um passo que não está a ser dado, nem debatido, que é a mutualização da dívida. A reestruturação da dívida torna-se desnecessária se houver uma mutualização que atenda à situação específica de diferentes países.

A taxa de desemprego tem baixado, embora partindo de uma base muito alta nos anos da crise. As alterações nas leis laborais que estão a ser preparadas terão efeitos positivos ou negativos ao nível do desemprego?

Um dos objetivos do Governo e do PS é mais e melhor emprego. Nunca tivemos apenas um critério meramente quantitativo, ao contrário do anterior governo que subsidiava qualquer tipo de emprego. Este Governo tem uma abordagem diferente, foca-se também na dimensão qualitativa desse emprego. Nesse sentido, as propostas agora avançadas e que estão em discussão na Concertação Social, parece-me que não são uma revolução nas leis laborais, mas são direcionadas a resolver problemas específicos do mercado de trabalho português. Desde logo a precariedade.

Sendo 2019 um ano com três eleições, o Governo vai ceder à tentação de gastar mais para garantir vitórias do PS?

Nós tivemos eleições em 2017, importantes e com muitos centros de realização de despesa, todos os municípios portugueses, e tivemos os resultados orçamentais nas administrações públicas que se conhecem. Portanto, não há nenhuma incompatibilidade entre eleições e rigor orçamental.

Manifestou a ambição de integrar o próximo Governo. Que pasta é que gostaria de assumir?

Sim, tenho a ambição de participar num Governo, como é evidente. As áreas que mais me interessam são Finanças ou Economia. São as áreas em que me sinto mais à vontade e nas quais tenho trabalhado ao nível parlamentar.

 

(Entrevista publicada originalmente na edição de 29 de Março de 2018)

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