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Jogos Olímpicos de Inverno. Jornalistas preocupados com softwares de rastreamento

Os profissionais dos media que vão cobrir os Jogos no próximo mês em Pequim dizem que vão usar telemóveis e computadores descartáveis.
21 Janeiro 2022, 21h30

Os jornalistas que vão cobrir os Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, dizem que vão fazer o seu trabalho em Pequim com telemóveis e computadores por estrear, ou “descartáveis”, porque estão preocupados com softwares de rastreamento. De acordo com o “Washington Post”, quando os jogos terminarem, os jornalistas vão simplesmente deixar os dispositivos para trás ou irão deitá-los fora porque não querem correr o risco de vir com com programas que permitam que as autoridades chinesas espiem o seu conteúdo.

Esta medida de precaução surge na sequência das restrições mais apertadas de sempre na história das Olímpiadas, que os organizadores locais, em conjunto com o Comité Olímpico Internacional, garantem ser em nome da prevenção da propagação da Covid-19.

Mas outros, incluindo o Comité para a Proteção dos Jornalistas, veem as medidas como um pretexto para que o governo comunista controle a imagem da China.

“Suponha que o seu quarto de hotel está sob vigilância”, alertou o grupo num aviso na semana passada. “Assuma que tudo o que faz online será monitorizado. Que qualquer chamada feita por um telefone fixo ou telemóvel do hotel não é criptografada e pode ser intercetada… Que qualquer conversa no seu quarto de hotel pode estar sujeita a espionagem.”

O Clube de Correspondentes Estrangeiros da China disse, em novembro, que jornalistas internacionais foram impedidos de participar e visitar locais e eventos relacionados aos Jogos Olímpicos, em violação das regras do Comité Olímpico. Alguns relatam ter sido perseguidos ou seguidos por oficiais de segurança quando tentaram visitar as instalações.

Mais uma vez, as autoridades chinesas alegaram precauções contra o coronavírus, mas o grupo de correspondentes disse que as ações parecem fazer parte de uma campanha deliberada.

Segundo o “Washington Post”, um representante do Comité Olímpico disse na quarta-feira que discutiu as preocupações do grupo de correspondentes com as autoridades de Pequim e que houve “progresso” na sua resolução. “Prometemos continuar a abordar quaisquer questões levantadas”, assegurou.

Os repórteres dos Jogos deste ano devem concordar com uma longa lista de restrições relacionadas com a pandemia que são mais extensas do que as implementadas no verão passado em Tóquio.

Qualquer pessoa que entrar na China para os Olímpicos deve apresentar comprovativo de vacinação (a alternativa é uma quarentena de 21 dias), para além de concordar com testes diários.

Os repórteres e as equipas dos atletas são obrigados a permanecer dentro de uma bolha protetora, “o circuito fechado”, durante as duas semanas do evento que começa no dia 4. Só poderão mover-se entre os hotéis designados e os locais oficiais através de carro, autocarro e comboio, sob o controlo do Comité Olímpico.

“Os organizadores também exigirão que os participantes enviem informações pessoais de saúde, como temperatura ou possíveis sintomas de covid-19, numa aplicação específica todos os dias. Estas comunicações começam duas semanas antes da viagem para Pequim e continuam durante as Olimpíadas”, escreve a publicação norte-americana.

O que acontece com essa informação depende dos organizadores chineses, de acordo com o “manual” oficial do Comité para os participantes.

O “Post” escreve que um grupo de cibersegurança, Citizen Lab, informou esta semana que a app tem uma “falha devastadora” que pode expor informações médicas e de passaporte dos usuários, e possui um recurso que identifica palavras-chave, como “Xinjiang”, que pode ajudar as autoridades a identificar alvos críticos.

Uma repórter do “USA Today”, Christine Brennan, disse que, para além de usar um novo telemóvel e computador, pretende manter as lentes da câmara dos dispositivos cobertas quando não estiverem a ser utilizadas porque ouviu avisos de que os hackers podem manipulá-las à distância para vigiar o utilizador.

De acordo com as regras do Comité Olímpico, os repórteres não podem ter contacto direto com nenhum cidadão chinês fora da “bolha”, nem com os espectadores dos eventos. Ademais, não poderão ver muito além dos espaços oficialmente autorizados.

A editora da secção de desporto do USA Today, Roxanna Scott, que vai enviar 25 pessoas para Pequim, disse ao “Post” que as restrições limitam a “capacidade de contar histórias que normalmente compartilhamos sobre a cidade-sede, a cor dos bairros e como os Jogos são percebidos pelas pessoas”.

Em 2008, jornalistas ocidentais relataram a situação dos moradores de Pequim cujo bairro foi arrasado para construir arenas olímpicas. O cenário agora mudou, e esse tipo de história “será difícil” porque os repórteres vão estar “limitados aos hotéis e locais oficiais”, reconheceu o vice-editor de desporto do “Washington Post”, Matt Rennie, que está a coordenar a cobertura olímpica.

A publicação sublinha que a China costuma ficar em último lugar num índice anual de liberdade de imprensa e no topo da prisão de jornalistas nacionais.

A título de exemplo, Pequim já impôs um apagão dos meios de comunicação em Xinjiang, onde grupos internacionais de direitos humanos alegaram abusos da população muçulmana Uyghur – o que motivou os Estados Unidos e vários outros países a recusarem-se a enviar delegações diplomáticas para as Olimpíadas deste ano.

Ademais, as autoridades chinesas também reprimiram organizações de notícias independentes em Hong Kong, prendendo os organizadores e jornalistas.

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