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Lei é vanguardista mas falta informação para a aplicar

A advogada Ilime Portela diz que o Código do Trabalho é “bastante vanguardista” mas que as empresas não aplicam as soluções previstas na lei por falta de conhecimento. O teletrabalho soma e segue mas não muda o trabalho em si, diz.
25 Junho 2022, 14h00

O teletrabalho não é uma novidade e será cada vez mais “um caminho sem retorno”, garante a advogada Ilime Portela, sublinhando que outras modalidades como esta estão previstas no Código do Trabalho, mas que “pura e simplesmente não são utilizadas porque não são conhecidas” pelas empreas. O trabalho remoto, por exemplo, está consagrado na lei desde 2003, quase 20 anos antes da sua aplicação generalizada no contexto pandémico.

“Há uma ideia um pouco deformada, ou errada, de que o teletrabalho surgiu agora, do nada, mas não”, salientou a sócia-fundadora e administradora da Ilime Portela & Associados na mais recente JE Talks. “O teletrabalho existe na lei portuguesa. No I Código do Trabalho de 2003 já estava previsto o trabalho remoto, em condições muito parecidas ao que é hoje”, acrescenta. A advogada nota que, naturalmente, houve alterações que se prendem sobretudo com as circunstâncias pandémicas e pela “obrigatoriedade que foi imposta” pelo governo no Estado de Emergência. Contudo, a modalidade não é nova, nem vem alterar o trabalho na sua essência, garante.

“O teletrabalho é mais uma forma de organizar a prestação de trabalho, do que é propriamente um novo contrato de trabalho”, diz, acrescentando ainda que a legislação prevê, além desta, diversas outras modalidades, que só não são aplicadas com mais frequências porque as empresas as desconhecem. “É uma pena os empregadore não conhecerem as modalidades que existem no Código do Trabalho”, legislação que a Ilime Portela considera “bastante vanguardista”, no sentido em que já previa, antes do debate se ter generalizado, a instauração da semana de quatro dias. Houve, ainda assim, acrescentos recentes em virtude da disseminação do trabalho remoto. Exemplo disso é o chamado “direito a desligar”, que já está em vigor. Mas também a utilização de equipamentos profissionais para uso pessoal pode ser acordado entre empresas e trabalhadores, explica. Há margem de negociação e acordo para muitas das entrelinhas legais relativas ao trabalho remoto. Ao fim do dia, explica, há que existir um esforço por parte da empresa para acompanhar, conhecer e fazer cumprir a lei, mas também da parte do trabalhador para fazer exercer os seus direitos.

Quanto à cimentação do teletrabalho no tecido empresarial português não restam dúvidas. Ilime Portela garante este é, “sem dúvida”, um caminho sem retorno que traz vantagens tanto para as empresas como para os colaboradores, que vão da redução de custos à melhoria da qualidade de vida, passando pela redução do impacto ambiental. Sobram, ainda assim, fragilidades e dificuldades que se prendem com a imaturidade ou impreparação do tecido empresarial: “Uma delas é se as empresas conseguem, se têm estrutura preparada e se a própria atividade permite” a aplicação prática do trabalho remoto nos melhores termos possíveis.

Já aos trabalhadores, a advogada alerta para a relativa indefinação de algumas especificidades do direito laboral, que em breve deverão ser ajustadas e enquadradas ao trabalho remoto. É o caso da garantia de higiene, segurança e qualidade do local de trabalho – aspeto que as empresas já eram obrigadas a assegurar no escritório próprio. Em casa de cada um, explica, é mais complicado fiscalizar e até eventualmente resolver. Outro exemplo prende-se com os acidentes de trabalho que não ocorrem no local de trabalho, ou em serviço, mas sim na própria habitação do colaborador. Mas também a saúde mental e o sentido de equipa entram em jogo. “Há trabalhadores para quem ir ao local de trabalho é a sua forma de socializar”, explica. Estas chamadas “condições pessoais” levantarão cenários que as empresas e legislador terão que ter capacidade de endereçar, salvaguarda. “As empresas têm de ter uma noção muito exata do que querem e do que podem propor aos seus trabalhadores (…) É um bocado o jogo da sedução, vão ter que ter isso muito bem definido”.

No fundo destes problemas vagamente delimitados, está uma escassez de acesso a informação fidedigna. “Não há informação suficiente”, garante Portela. “A própria conceção do trabalho” está prestes a mudar, com o paradigma do mercado de trabalho a acompanhar tendências já antes assinaladas. O talento vai assumir um papel cada vez mais central e determinante no futuro das organizações e do próprio trabalho, explica a advogada. “As empresas vão essencialmente precisar de trabalhadores muito qualificados”, diz, e o Estado terá que dar uma atenção “muito especial” ao Ensino.

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