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Livro: “A Ilha Fantástica”

Esta “ilha fantástica” é um fresco carinhoso de um povo e de um país, escrito por um exímio contador de histórias: Germano Almeida.
20 Maio 2023, 11h19

No texto dedicado a Veneza no prodigioso livro “Pequeña enciclopédia de lugares íntimos. Breviario personal de geopoética y cosmopolítica” (editado pela Acantilado; e também disponível em francês, Les Éditions Noir sur Blanc), infelizmente sem tradução portuguesa, o escritor ucraniano Yuri Andrukhovych recorda que foi precisamente um veneziano, Alvise de Cadamosto, que, ao serviço do nosso Infante D. Henrique descobre as ilhas de Cabo Verde; decorria o ano de 1456, mais de século e meio depois do seu conterrâneo Marco Polo ter terminado o seu périplo asiático. O mar é, de facto, um apelo à viagem – estar sempre a vê-lo da janela não pode deixar de suscitar a curiosidade.

É provável que não fosse necessário citar um poeta e ensaísta nascido em Ivano-Frankivsk (chamada Stanisławów quando era polaca e, depois, quando pertenceu ao Império Austrohúngaro; Stanislav e também a terra natal da Prémio Nobel Svetlana Aleksiévitch) para estabelecer uma relação estreita entre uma cidade feita de pequenas ilhas – e amada por Joseph Brodsky e tão bem descrita por Jan Morris – e um arquipélago na costa ocidental de África – no qual não consta que qualquer dos dois, russo e britânico, tenha estado –, mas foi a leitura do livro acima referido que espoletou a recordação do livro “A Ilha Fantástica”, editado pela Caminho.

 

 

Foi em 1945, quase quinhentos anos depois de Cadamosto ter pisado o arquipélago, que nasceu Germano Almeida, na ilha da Boa Vista, onde viveu até aos 18 anos, quando rumou a Lisboa para continuar os estudos e se licenciar em Direito. No regresso a Cabo Verde, instalou-se em São Vicente, exercendo a profissão de advogado e de jornalista.

Germano Almeida publicou as primeiras histórias na revista “Ponto & Vírgula” – uma importante publicação literária do Cabo-Verde independente, da qual foi co-fundador –, então ainda assinadas com o pseudónimo de Romualdo Cruz. São estas histórias, editadas em livro em 1994, que constituem este “A Ilha Fantástica”, que, juntamente com “A Família Trago”, de 1998, recriam os anos de infância e o ambiente social e familiar na ilha onde nasceu.

Fresco carinhoso de um povo e de um país, escrito por um exímio contador de histórias, onde encontramos personagens de forte colorido, como uma “velha rabugenta (…) que já tinha enterrado o marido e mais três filhos num total de doze”; Olga, a ‘Gorda’, de quem “costumavam dizer que bastaria tirar-lhe a cabeça para ela se transformar num guarda-fato de cinco portas”; o João Manco que “tinha dito tantas coisas bonitas sem papel escrito” aquando do casamento do compadre Bento de Estância de Baixo com Mari Concha do Rabil, assim despeitando as meninas da sua povoação; entre tantos outros, sem dúvida um ensaio para a obra que o consagrou: “O Testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo”, e que teve versão cinematográfica de Francisco Manso, com um fabuloso Nelson Xavier no papel principal.

O reconhecimento internacional do autor cabo-verdiano pode medir-se pelos países onde tem as suas obras publicadas, para além de Portugal – Brasil, França, Espanha, Itália, Alemanha, Suécia, Holanda, Noruega e Dinamarca, Cuba, Estados Unidos, Bulgária, Suíça – e pelo Prémio Camões, que venceu em 2018.

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