[weglot_switcher]

Livro: “Rodeado de Ilha”

O mais recente livro de João Miguel Fernandes Jorge, publicado pela Relógio d’Água, reúne diversos contos. Captam a ausência, são sublimes na forma como tratam a palavra escrita e têm ilhas como palco. Mergulhe nelas.
5 Junho 2021, 10h42

 

“Pergunto-me porque me converti deste modo aos Açores. O meu gosto por ilhas. Desde sempre a visão das Berlengas e o Baleal. Uma vez, um amigo escreveu-me uma carta em que me dizia ‘tens que conhecer os Açores’. Nos dias que se seguiram a essa carta vi, no Museu de Arte Antiga, uma tela de Crivelli. Foi no inverno de 80.

A ‘Virgem e o Menino com Santos e Doador’ só muito lateralmente tinha que ver com os Açores: a pintura pertencia a alguém de S. Miguel. Ignoro o seu nome. De resto, como pude comprovar nas ilhas, as suas gentes são um acumular de castas, de extractos que entre si não comunicam ou, se o fazem, os seus elos são imperceptíveis a um continental, que é sempre um estrangeiro (…)”.

Com o belíssimo título de “Rodeado De Ilha”, o mais recente livro de João Miguel Fernandes Jorge, publicado pela Relógio d’Água, reúne diversos contos tendo lugar em ilhas, como as Flores, São Miguel, Pico ou Santa Maria.

Nascido em 1943, no Bombarral, é poeta, prosador e crítico artístico. Segundo o também poeta Joaquim Manuel Magalhães, a perturbação gerada na leitura da sua poesia decorre da nossa formação ocidental, pela qual se torna “difícil de abdicar de um real para o qual as palavras não apontem”, dado percorrer a sua obra um constante trabalho silencioso de captação da ausência.

O cuidado com a palavra escrita, que contém outros conceitos, outras palavras, outras imagens, e o diálogo permanente com outros tempos e lugares são duas marcas singulares da sua obra, que mereceria ser mais conhecida dos leitores portugueses.

Licenciado em Filosofia, desenvolveu também a actividade docente, como professor de Estética na Escola Superior de Cinema. Estreia-se na poesia com o volume “Sob Sobre Voz”. A publicação de “Crónica, em 1977” inaugura na sua bibliografia uma estratégia discursiva que parte da colagem de textos e motivos históricos com acontecimentos reais e míticos e com conteúdos subjetivos – o tal diálogo com outros tempos e lugares que referimos acima.

A sua poesia remete frequentemente para a pintura – Vieira da Silva, Rui Chafes, Mark Rothko – ou a fotografia, estendendo-se, assim, esse diálogo a obras e artistas.

Discreto, conhecem-se-lhe poucas entrevistas. Esta falta de exposição mediática, num tempo em que tal parece sinónimo de inexistência, pode ajudar a explicar “porque é que não andamos todos a ler furiosamente João Miguel Fernandes Jorge?”, como perguntava Joana Emídio Marques há uns anos nas páginas do “Observador”. Melhor será contrariar a maioria e pegar neste livro, nos Açores ou num qualquer outro lugar.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.