Terá o Reino Unido (e o resto da Europa) enlouquecido, como alguns se interrogam, à míngua de explicações racionais sobre o desenlace do Brexit? Se ignorarmos a espuma dos dias e todo o cortejo de episódios picarescos e frases mediáticas, quer do lado britânico quer do lado da União Europeia, é bem capaz de sobrar qualquer coisa interessante que não seja do domínio da psicanálise e que resista ao tempo.

Selecciono dois aspectos: a reafirmação da excelência da democracia britânica e a resistência do ideal europeu nos restantes 27 Estados da União. Não são aspectos menores e contrariam a ideia instalada (ou que nos querem instalar) de caos e desastre dos dois lados da Mancha.

Só um democracia forte das suas liberdades de séculos , da prática da separação de poderes e do respeito à sua Constituição não escrita é que colocaria nas mãos dos juízes a última palavra sobre o modo como o povo deve ser respeitado. Não é outro o sentido dessa histórica decisão do Supremo britânico ao mandar reabrir o Parlamento (casa da Democracia) e do mesmo passo envergonhar o primeiro-ministro (e a Rainha).

Nem o Supremo norte-americano, forte dos seus quase dois séculos e meio de autoridade se atreveria a fazer igual. E faça-se a comparação que, neste ponto, é esclarecedora: enquanto o Supremo de Madrid prende representantes do povo catalão, os juízes de Londres libertam (do silêncio) os representantes do povo inglês.

Mas se a Velha Albion nos dá esse vivíssimo exemplo de democracia e liberdade, que marcará positivamente as próximas gerações, não fica atrás a resiliência dos 27 Estados da União e dos actuais líderes da Europa.

É hoje “chic” desconsiderar (e mesmo insultar) Macron, Merkel, Tusk ou Juncker, com a lengalenga do “já não há políticos com o génio e a dimensão dos que construíram a Europa nos anos 50”. Mas a verdade é que os lá estão hoje, perante a contrariedade do Brexit, têm conseguido manter bem vivo o ideal da União Europeia.

E têm-no feito sem divergências e mostrando notável bom senso : facilitando a decisão dos britânicos na saída mas mantendo a porta aberta se quiserem reentrar. E essa tolerância é, no seu pressuposto radicalmente humanista, do melhor que a cultura europeia legou ao Mundo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.