Até que ponto prestam atenção ao nome das ruas que percorrem? Já alguma vez pararam para pensar na história por trás de muitos desses nomes? Já repararam que a maioria são nomes de homens? Sabiam que apenas 4% das ruas do Porto têm nomes femininos?

É essa a percentagem revelada num estudo recente, “Ruas do Género”, de João Bernardo Narciso e Cláudio Lemos. A toponímia de Lisboa também foi analisada por Manuel Banza e, de acordo com os dados, em cerca de 5000 ruas, 44% perfazem topónimos masculinos e apenas 5% são topónimos femininos (as restantes referem-se a conceitos).

É uma desigualdade gritante registada nas nossas próprias ruas, tendo sido as mulheres durante muito tempo relegadas a um papel secundário ou doméstico. Só no século XX começaram a surgir homenagens a figuras de mulheres que não fossem rainhas ou santas.

Nunca é demasiado tarde para começar a alterar o panorama de desigualdade nas nossas cidades. Não é só uma questão de cumprir quotas. É o mínimo que pode ser feito para reconhecer o trabalho e o contributo de muitas mulheres notáveis da nossa história recente, da mesma forma que o contributo de muitos homens foi reconhecido.

A toponímia tem um importante papel na preservação da memória e é ela que se tem encarregado de manter vivas as figuras da nossa História.

Podemos já não recordar quais os feitos de muitas dessas figuras, mas estão gravados nas nossas cidades para a posteridade. São as Comissões de Toponímia, órgãos consultivos das Câmaras e Assembleias Municipais, que têm a tarefa de analisar e aprovar os nomes dados à rua, numa tentativa de preservar o nosso legado, e cabe-lhes ainda regulamentar a atribuição de denominações toponímicas.

Por isso, faz todo o sentido que comecemos a alertar e a pressionar estas Comissões para as desigualdades presentes nessa atribuição.

E não é por falta de mulheres. Nos últimos cem anos, a luta pelos direitos das mulheres intensificou-se em Portugal e houve muitas pioneiras ao longo das décadas, algumas delas já reconhecidas, como Carolina Beatriz Ângelo, Adelaide Cabete, Maria Lamas, juntando-se outros nomes que se destacaram pela militância antifascista durante o regime do Estado Novo.

Mas não falamos em homenagear apenas feministas e mulheres políticas, mas figuras de todas as áreas da sociedade: escritoras e poetas, médicas e enfermeiras, cientistas, artistas, advogadas e muitas outras profissões.

Não por acaso, escolhi destacar este tema em março, pela proximidade ao dia 8 de março, data instituída pelas Nações Unidas e que lembra a longa luta e conquistas políticas, sociais e económicas da mulher. E é, também, um dia em que muitas mulheres saem à rua para lembrar que ainda há muito por exigir, cumprir e lutar, e que nada pode ser nunca tomado por garantido.

O reconhecimento das mulheres importa. Não deixá-las cair no esquecimento importa. Ou não fosse longa a luta de muitos habitantes do Porto em firmar numa das suas ruas o nome de Gisberta Salce Júnior, uma mulher trans e imigrante que foi brutalmente assassinada em 2006, numa iniciativa que tem sido sistematicamente rejeitada pela Comissão de Toponímia da Câmara do Porto. Mas um dia o nome lá estará numa das placas, será uma questão de tempo.

Esperemos que, com a devida pressão nas respetivas Comissões de Toponímia por todo o país, e por uma questão de igualdade e justiça, outras mulheres também ganhem o direito a ver os seus nomes gravados para sempre nas nossas ruas.