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Montepio: Banco de Portugal averigua eventual conflito de interesses na gestão de créditos à Casa da Sorte

A área de supervisão prudencial do Banco de Portugal está a analisar se há algum conflito de interesses na recuperação de créditos da Casa da Sorte.
  • Cristina Bernardo
21 Janeiro 2018, 15h00

O Banco de Portugal está a acompanhar, no âmbito da supervisão prudencial, a intervenção da gestão do banco Montepio Geral na recuperação de crédito da Casa da Sorte. Isto depois de ter detectado, e registado no Relatório de Inspeção, que um dos administradores executivos, João Raimundo, detinha dois pelouros susceptíveis de entrar em conflito de interesses: Direção de Empresas e Direção da Recuperação de Crédito.

No entanto, o Jornal Económico sabe que não há nenhum processo de contra-ordenação aberto no âmbito do caso da recuperação de créditos da Casa da Sorte.

O caso que está em análise refere-se à nomeação de administradores da Mistura Singular – empresa de recuperação de créditos detida em parte pelos dois irmãos Marques Mendes (José Miguel com 17,5% e o comentador e ex-presidente do PSD, Luís Marques Mendes, com 15%), contratada pelo Montepio – para a Casa da Sorte .

A Caixa Económica Montepio Geral é a maior credora da Casa Sorte que desde junho de 2017 entrou num Processo Especial de Revitalização (PER), com dívidas de 35,8 milhões de euros, com vista à reestruturação dos créditos, tendo sido nomeado como administrador judicial Nuno Lamas de Albuquerque. O banco liderado por José Félix Morgado contratou então a empresa Mistura Singular – Capital para a recuperação do crédito da Casa da Sorte, que é de 21,5 milhões de euros.

No âmbito do PER, foi nomeada uma nova administração para a empresa portuguesa de venda de lotarias e apostas mútuas e o Montepio nomeou José Miguel Marques Mendes para a presidência da Casa da Sorte. Foi também nomeado pela Caixa Económica Rui Almeida Duarte (também da Mistura Singular), administrador da devedora.
Para além do Montepio, são credores o EuroBic com 4,6 milhões, o Novo Banco com 1,2 milhões, o BCP com mais de 500 mil euros e o Belenenses com 3,5 milhões. O Estado português é também credor da Casa da Sorte com cerca de 10% do total da dívida da Casa da Sorte.

O jogo vendido pela Casa da Sorte é consignado pela Santa Casa da Misericórdia, mediante a prestação de garantias bancárias. A Santa Casa, está, como foi noticiado, à espera do resultado das avaliações do Haitong Bank e da Baker Tilly para decidir quanto investe no capital do Montepio Geral, e se investe, pois o mediatismo do tema poderá fazer recuar o projeto da Santa Casa se tornar acionista da Caixa Económica. Uma das vozes mediáticas contra o negócio é precisamente Marques Mendes, que no domingo passado disse que “a Santa Casa não devia entrar no capital do Montepio ou de um banco”.

Marques Mendes radicalizou os alertas ao dizer “se se concretizar a ideia da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de comprar 10% do Montepio por 200 milhões isto vai acabar num inquérito parlamentar e numa investigação judicial e os responsáveis da SCML por esta decisão ainda vão acabar no mínimo suspeitos de gestão danosa e porquê? Porque o Montepio não vale 2.000 milhões de euros no mercado e 10% não valem 200 milhões”.

Quanto vale o Montepio?

A CEMG está registada no balanço individual de 2016 da Associação Mutualista (as contas consolidadas só serão conhecidas em março) ao valor de 2.016 milhões de euros, tendo depois sido constituída uma imparidade de 350 milhões, que baixa o valor desse ativo para 1.666 milhões.

Num banco que não é cotado, o valor é normalmente calculado com base no Price-to-Book Value (preço implícito numa hipotética transação face ao valor dos capitais próprios). A comparação de rácios P/BV relativamente a transações ocorridas no setor bancário servem para avaliar instituições financeiras não cotadas. Tendo em conta o valor dos capitais próprios do Montepio Geral, que era, em termos consolidados, em 2016, de 1.457 milhões de euros, aplicámos o Price-to-Book Value (P/BV) dos bancos ibéricos. Vamos assim escolher o múltiplo a aplicar ao Montepio. Para banca portuguesa: o BCP transaciona a 0,75x a situação líquida (P/BV), mas se ajustado pelo Bank Millennium (Polónia) estaria a 0,62x. Já o BPI cota a 0,76x o valor dos capitais próprios. Pelo que 0.7x pode ser considerado uma referência. Quanto a Espanha: o P/BV médio do bancos espanhóis está em 1x. Isto é, estão a transacionar ao valor dos seus capitais próprios. Mas há bancos com mais créditos improdutivos, como o Liberbank que têm rácios de P/BV mais baixos (de 0,2x).

O Montepio é mais facilmente comparável com alguns bancos que têm a mesma dimensão de ativos e sobretudo que têm o mesmo nível de risco. Portanto, sendo prudentes apliquemos um P/BV ao Montepio abaixo do BCP e do BPI, por exemplo de 0,6x. Com base nesse múltiplo o valor da Caixa Económica Montepio é de 885 milhões de euros, logo 10% seriam 85 milhões de euros. Mesmo tendo em conta que este é um valor excessivamente prudente, é muito abaixo do valor registado no balanço da Associação Mutualista.

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