Cada de vez que foi perguntado porque é que o PCP quer ir para a frente com a Festa do Avante num momento em que o mundo vive com medo que ajuntamentos de multidões provoquem surtos de Covid-19, Jerónimo de Sousa respondeu, de uma forma geral, em quatro linhas.

Primeiro carregou no botão play na (já bastante gasta e rouca) cassete, para reproduzir o discurso sobre a defesa dos trabalhadores, que diz ser apenas possível através da ação e da luta, especialmente num contexto político excecional, complexo e difícil.

Em segundo lugar, disse que o evento seria organizado com o cumprimento estrito das regras, para garantir a segurança sanitária de todos.

Uma terceira linha de defesa foi contra as críticas, dizendo que foram feitas por forças obscurantistas que querem atacar os direitos e as liberdades fundamentais dos trabalhadores. O quarto aspeto do discurso consistiu em rejeitar a ideia que a motivação do PCP na organização do certame é financeira.

Confesso que tenho alguma simpatia pelo líder do PCP, apesar de não partilhar a sua filosofia. Pareceu-me sempre um político sério, com genuíno interesse pelo bem-estar dos portugueses. Concordo com uma grande parte dos objetivos, mas não com as formas de os atingir. Principalmente, não concordo com a superioridade moral que o secretário-geral e os seus camaradas demonstram em certos casos, como este da Festa do Avante.

Não tenho nada contra a defesa dos trabalhadores, antes pelo contrário, sou um trabalhador e além disso acredito que uma sociedade que se quer desenvolver tem de proteger a mão de obra, de todos os tipos, contra abusos arbitrários. Mas não assim. Não é necessário criar uma situação de risco acrescido em nome dessa luta. O PCP acha que pode agir como quer e de forma irresponsável em nome dos trabalhadores, mas não pode, pelo menos no meu entender. Mesmo nesta situação, há outras formas de luta que não esta.

Em relação ao risco, as autoridades já disseram que ele é real. Em defesa do evento, circulam nas redes sociais comparações de densidade por metro quadrado noutros eventos. Não são convincentes. Não é por outros eventos terem sido (erradamente) realizados que podemos correr o risco de ter mais de 16 mil pessoas no mesmo local, três dias seguidos.

A insistência em organizar o evento numa altura destas ia naturalmente originar críticas. No entanto, Jerónimo de Sousa tem de perceber que nem todas vêm de partes obscurantistas do espectro político, nem de pessoas que querem minar a democracia e os direitos dos trabalhadores. Numa altura em que a política interna está a aquecer, com o Orçamento do Estado para 2021 à porta, eleições no Açores e depois as presidenciais, é natural que a polémica sobre o Avante seja intensa. E houve excessos, sim, nas críticas.

Mas uma grande parte da crítica vem de pessoas que não estão contra os ideais de esquerda, estão simplesmente contra a realização do evento. Isto porque já fizeram demasiados sacrifícios este ano para ficarem calados perante a organização de um grande festival mascarado de política, ou de política mascarada de grande festival.

Quanto à parte financeira, acredito que possa não ser a motivação principal do PCP para organizar a festa, mas deve estar certamente no pódio de razões, tal a escala do evento. Isso já é com eles.

Segundo o “DN”, houve discussão interna sobre a organização do evento. Infelizmente, resultou na decisão errada. O camarada Jerónimo avançou, mas não foi com toda a confiança necessária.