“Sometimes it snows in April”, garantia o malogrado artista norte-americano conhecido por Prince numa das suas canções. A referência à improvável queda de flocos brancos em contexto primaveril tinha a ver com a morte do personagem que interpretara no filme “Under the Cherry Moon”, por si realizado em 1986, ouvindo-se no final da música que “as coisas boas não duram para sempre e que o amor não é amor se não pertencer ao passado”.

Sendo certo que no primeiro mês de cada ano as terras altas costumam ficar cobertas pelo manto esbranquiçado que atrai visitantes ao mesmo tempo que dita cortes de estradas, muitíssimo mais raro é que neve no Terreiro do Paço, no Palácio de São Bento, na Presidência do Conselho de Ministros ou em qualquer outro recanto de Lisboa relacionado com o exercício de poder. Aconteceu pela última vez a 29 de janeiro de 2006, após meio século passar sem que a “branca e leve, branca e fria” saltasse do poema de Augusto Gil para as ruas e avenidas.

Ainda assim, há dois portugueses movidos pela crença de que no Terreiro do Paço às vezes neva em janeiro. Melhor dizendo, que uma improvável maioria absoluta está ao alcance do PS ou do PSD. Mesmo que o “boletim meteorológico” das empresas de sondagens não indique tal possibilidade, ainda que o atual maior partido da oposição possa mais facilmente contar com parceiros como o CDS-PP e a Iniciativa Liberal para somar 116 deputados.

Seis anos de poder sem maioria absoluta, os dois últimos no arame e sem rede, terão convencido António Costa de que “metade mais um” dos eleitos para a Assembleia da República é condição “sine qua non” para governar numa conjuntura marcada pela Covid-19, pelo Plano de Recuperação e Resiliência e por perspetivas económicas a que a Prevenção Rodoviária atribuiria aquele sinal com o ponto de exclamação no meio de um triângulo vermelho que designa “outros perigos”.

Costa e Rio podem tentar governar sem uma garantia de apoio parlamentar maioritário decorrente das eleições legislativas de 30 de janeiro, partindo do princípio que do Palácio de Belém não emanarão alternativas mais criativas, mas este 2022 que começa amanhã dificilmente se compadecerá com hesitações e improvisos. Embora possa haver soluções governamentais estáveis, como um acordo do PS pós-Costa com os antigos parceiros de ‘geringonça’, potencialmente ainda mais gravosas para a economia portuguesa.

Com esta edição chegam ao fim três anos de ligação ao “Jornal Económico”. Ao longo deste tempo procurei dar o melhor que sei e posso por um projeto jornalístico livre e cada vez mais essencial na imprensa portuguesa. Prestes a abraçar um novo desafio, parto como mais um leitor e certo de que esta magnífica equipa continuará a informar, com independência e rasgo, no papel e no online, todas as sextas-feiras e a qualquer hora, sobre aquilo que de mais importante acontece na economia, política e restante atualidade. Ao Filipe Alves, grande responsável por tudo o que aqui fazemos, o meu infinito agradecimento por me ter convencido a iniciar uma conversa que deu início a esta fase da minha carreira e da minha vida.