Nos últimos anos, o nomadismo digital tem-se tornado um fenómeno cada vez mais comum, e Portugal lidera o movimento como destino de eleição. Um fórum proeminente entre os nómadas digitais (NomadList) colocou Lisboa como a cidade ideal para profissionais que seguem este estilo de vida.

Assim, Portugal conta com mais de 15.800 nómadas digitais e emitiu mais de 500 vistos orientados para estes profissionais desde outubro de 2022. Com o aumento acelerado deste fenómeno e a crescente controvérsia em torno dele, é necessário refletir sobre as suas implicações económicas e culturais, principalmente no contexto português, de forma a compreendermos melhor a existência dos nómadas digitais.

Por um lado, o nomadismo sempre representou uma crise existencial para o contrato social e capitalista. Nas civilizações sedentárias, existe um contrato que garante direitos e impõe deveres. No entanto, os nómadas raramente se submeteram a esse acordo, resultando em séculos de discriminação, ressentimento e opressão por parte daqueles que assinaram e protegem esse contrato. Durante a era industrial, foram adicionados princípios capitalistas a este contrato, como a propriedade privada e a acumulação de capital.

Desde então, os nómadas representam uma ameaça ao sistema económico, pois têm uma noção mais coletiva de propriedade, ou não investem em capital fixo, ou adotam outros sistemas de troca. A falta de regulação da atividade social e económica dos nómadas tornou-se assim um receio para as sociedades capitalistas.

Para alguns, os nómadas digitais apresentam esses mesmos desafios em Portugal. A promessa de que estes profissionais impulsionariam a economia não se concretizou, para aqueles que acreditam que os nómadas digitais apenas se beneficiam do “baixo custo de vida português” e dos “altos salários americanos”. Esse poder de compra elevado leva a um aumento insustentável dos preços da habitação e dos serviços comerciais para a maioria dos portugueses.

Muitos nómadas digitais são freelancers que priorizam a mobilidade e a flexibilidade profissional em vez de investirem em capital fixo e promoverem o investimento em Portugal. O regime de Residentes Não Habituais, que fixa uma taxa de IRS de 20% para nómadas digitais, também é visto como agravante da desigualdade entre nativos e nómadas. Além disso, existe o receio de que a gentrificação leve à perda de identidade nacional, alimente o turismo e prejudique a coesão social.

Para outros, os nómadas digitais representam o sonho de um mundo globalizado e potencialmente mais sustentável. A ideia de um mundo interligado, onde as fronteiras físicas desvanecem e as oportunidades se expandem, tem sido promovida pelo neoliberalismo desde os anos 70. Esta ideologia defende a liberdade dos mercados e dos indivíduos como forma de impulsionar o crescimento económico e promover a eficiência.

Estando Portugal integrado no projeto europeu, também aderimos a essas premissas neoliberais. O estilo de vida minimalista dos nómadas digitais também se revela importante quando se discute a luta contra a crise climática. No entanto, é importante lembrar que nem todos os nómadas digitais adotam práticas sustentáveis e que o aumento da procura em determinadas regiões pode exercer pressões adicionais sobre o meio ambiente e a infraestrutura local.

Em suma, os portugueses dividem-se entre os que apoiam a liberalização que os nómadas digitais representam e os que se opõem à ameaça económica e cultural que eles apresentam. Existem medidas intermédias possíveis, como incentivar os nómadas digitais a dispersarem-se por regiões do interior que necessitam de mais inovação, ou tornar as políticas fiscais atuais mais justas para promover a competição doméstica.

No entanto, acredito que o problema reside numa crise ideológica que nos coloca no seguinte dilema: subscrevemos o contrato social, que nos garante o direito a uma casa em Portugal enquanto cidadãos portugueses, ou permitimos que o mercado decida esse direito.

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.