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“Nova moeda? É uma possibilidade política, mas traz problemas à economia”

Definitivamente, o economista não acredita que alguma vez os BRICS venham a criar uma moeda comum. Por várias razões – desde logo pelas dificuldades intrínsecas levantadas pelo sistema – mas principalmente porque não estão reunidas as condições mínimas para a sua realização
9 Setembro 2023, 15h00

Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 2 de setembro, com a edição impressa do Semanário NOVO.

Lançar uma ideia aparentemente bem pensada não chega para que seja exequível. A criação de uma moeda comum que contribua para a ‘desdolarização’ das economias dos países BRICS tem tudo, na ótica de João Duque, para não funcionar.

Até porque a China, principal impulsionadora do agregado, dificilmente estará interessada em deixar a sua posição de liderança nas mãos dos seus parceiros.

Os BRICS querem criar uma moeda comum. Vê alguma vantagem nisso. E principalmente alguma possibilidade?
Essa possibilidade existe do ponto de vista político, mas do ponto de vista económico traz grandes problemas. Por vários motivos, mas o principal é a não-integração destas economias. Não há um espaço para uma moeda única. Não sei qual é o tipo de moeda que está pensada. Podem encontrar algum mecanismo de facilitação das compensações entre todos, o estabelecimento de preços nessa nova moeda – isso pode ser feito, resta saber se os outros países aceitam. Os seus criadores assumem-na como supra-bancos centrais? É muito difícil criar uma moeda que seja comum àquele conjunto de países, com a qual estabeleçam preços, criem contratos de dívida, seja de aceitação obrigatória, sirva para acumulação de riqueza. No fundo, as funções fundamentais da moeda dificilmente serão possíveis.

Porque razão?
Porque, depois de estabelecidas, obriga-se a que as economias que fazem parte dessa moeda tenham determinado tipo de comportamento que só poderiam não ter caso houvesse uma autoridade supra-nacional, que tivesse força para fazer compensações. Aliás, na Europa, sofremos isso mesmo. Mesmo tendo uma disciplina orçamental, um pacto de estabilidade, um sistema bancário único e uma série de regras que pretendem dar consistência ao mercado financeiro e à moeda, é muito difícil. Portanto, os cinco Estados vão fazer uma moeda. E depois vão fazer compensações entre eles? E mais: Quando se abdica de uma moeda nacional, abdica-se de um poder extraordinário.

Alguém acredita que a China vai prescindir desse poder? Eventualmente, até pode ser favorável para alguns países ter mecanismos de compreensão. Mas muito disto tem a ver com um discurso para consumo interno. Veja o discurso do presidente brasileiro Lula da Silva

Voltamos ao caso da China.
Alguém acredita que a China vai prescindir desse poder? Eventualmente, até pode ser favorável para alguns países ter mecanismos de compreensão. Mas muito disto tem a ver com um discurso para consumo interno. Veja o discurso do presidente brasileiro Lula da Silva. Internamente, quem ouvir dirá que Lula da Silva está ‘taco a taco’ com o seu homólogo chinês. Claro que ele representa o Brasil, uma potência muito importante no mundo. A leitura que se faz de algumas propostas depende de para quem é que se está a fazer o discurso. Antevejo muitas dificuldades de se poder fazer uma moeda tal como existe nos Estados Unidos – uma federação de Estados. Na Europa, uma moeda mais difícil de gerir – porque existe um poder executivo e um poder legislativo que leva a que as funções da moeda sejam facilmente implementadas.

Nada disso acontece com os BRICS.

Para fazerem uma moeda, isso obrigava-os a cumprirem um percurso de convergência das economias, dos processos, de finanças públicas, de gestão de excedentes – coisa que acho que não a mínima hipótese, dada a grande diferença que existe entre os cinco países. Além disso, ainda há o afastamento geográfico.

Nem para eles seria fácil.

Isso mesmo. Eles têm bancos estaduais, o processo de decisão toma em conta as opiniões desses bancos, mas não chega. Mesmo nos Estados Unidos, onde há um orçamento brutal, onde há a Reserva Federal – com um poder brutal – a gestão é difícil. Na Europa, esse espaço intermédio, é muito difícil, se quisermos manter alguma independência.

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