O dia 27 de agosto foi de enorme relevância para as empresas do agroalimentar, mas também para os fornecedores dos setores não alimentares. Foi publicado o Decreto-Lei n.º 78/2021, que transpõe a diretiva (UE) 2019/633, relativa a práticas comerciais desleais nas relações entre empresas na cadeia de abastecimento agrícola e alimentar, vulgarmente designada como diretiva UTP (Unfair Trading Practices).

Esta diretiva, aprovada em 2019 e depois de mais de dois anos de aturadas negociações entre Estados-membros e parceiros da cadeia, é um diploma especificamente direcionado para o setor agroalimentar e a sua transposição para o direito interno introduz alterações em dois diplomas pré-existentes: os DL 166/2013 [Práticas Individuais Restritivas do Comércio, vulgo PIRC] e 110/2010 [Prazos de Pagamento].

As alterações introduzidas no diploma PIRC correspondem a um alargado conjunto de inovações que, em certas situações, beneficiam igualmente as empresas de setores não alimentares e, grosso modo, podem ser divididas em quatro grupos.

Um primeiro de tipificação de novas práticas proibidas aplicáveis a todas as empresas, alimentares e não alimentares, de onde se destaca a proibição da aquisição, utilização ou divulgação ilegais de segredos comerciais do fornecedor ou a proibição da ameaça ou concretização de atos de retaliação comercial contra o fornecedor.

Um outro que alarga a todas as empresas, independente da sua dimensão ou setor de atividade, um conjunto de práticas que já estavam anteriormente tipificadas, mas que – até aqui – eram apenas aplicáveis a micro e pequenas empresas, organizações de produtores e cooperativas e onde se pode salientar a proibição do comprador impor um pagamento, diretamente ou sob a forma de desconto relativamente à introdução ou reintrodução de produtos, à abertura ou remodelação de estabelecimentos ou à não concretização das expectativas do comprador quanto ao volume ou valor das vendas dos produtos do fornecedor.

Um terceiro de tipificação de novas práticas de proibição absoluta, mas apenas aplicável a empresas do setor agroalimentar, de que merecem destaque, por exemplo, a notificação do cancelamento de encomendas de produtos perecíveis num prazo inferior a 30 dias face à data prevista de entrega ou a rejeição ou devolução de produtos entregues, com fundamento na menor qualidade de parte ou da totalidade da encomenda ou no atraso da entrega, sem que seja demonstrada, pelo comprador, a responsabilidade do fornecedor por esse facto.

E, finalmente, um último de tipificação de práticas proibidas, também apenas aplicável a empresas agroalimentares, salvo se as mesmas tiverem sido previamente estipuladas de forma clara e inequívoca nos acordos negociais entre fornecedor e cliente, sendo que nestes dois últimos casos não existe qualquer limitação de dimensão.

Paralelamente, as alterações introduzidas no diploma sobre Prazos de Pagamento – e sem prejuízo de se considerar que haverá espaço para maior equilíbrio em futuras revisões do diploma – remetem apenas para o setor agroalimentar. Até aqui, apenas abrangiam micro e pequenas empresas, organizações de produtores e cooperativas, sendo que, agora, no limite, beneficiam as empresas fornecedoras que, no seio da União Europeia, faturem um valor igual ou inferior a 350 milhões de euros. Além disso, contém um conjunto de regras associadas a intervalos de dimensão em linha com o disposto na diretiva europeia.

Publicado este decreto-lei de transposição, é muito gratificante verificar que os pontos de vista da produção ficaram largamente espelhados na legislação e que as alterações introduzidas são amplamente favoráveis ao universo de empresas fornecedoras da moderna distribuição.

Merece ainda referência o facto de este processo de transposição resultar do árduo trabalho feito no seio da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (PARCA) onde estão representados todos os elos da cadeia: produtores, industriais, marcas, distribuidores e retalhistas, bem como o reconhecimento da sensibilidade demonstrada pelos Ministérios da Agricultura e da Economia na condução deste dossier e em especial, pelos secretários de Estado João Torres e Rui Martinho que o acompanharam mais de perto.

Seguramente, a nova legislação não introduzirá especiais modificações no modo de atuação de todos – fornecedores e retalhistas – quantos já hoje pautam o seu comportamento negocial e comercial pelos melhores padrões e que estabelecem um relacionamento colaborativo e mutuamente vencedor, sem nunca descurarem o seu verdadeiro e último objetivo: o melhor serviço ao consumidor.

Para todos os que se posicionam de forma distinta, este será um período duro e complexo de adaptação, e será sobre estes e sobre os seus procedimentos de implementação da nova legislação que as autoridades competentes deverão dedicar a sua especial atenção.

Acima de tudo, este é mais um passo num processo longo de reconstrução do equilíbrio negocial entre fornecedores e retalhistas, um caminho que desde 2013 vem dando os seus frutos e que exige paciência e persistência, coerência e consequência. Um caminho sem soluções mágicas nem alterações inexequíveis, mas feito de passos consistentes que permitam apresentar ao consumidor as melhores propostas de valor, resultantes de uma relação entre os diferentes elos da cadeia que seja leal, ética, justa e respeitadora da legislação nacional que, neste campo, é uma das mais assertivas no contexto europeu.