Desconhecido por muitos cidadãos, o portal Base é uma verdadeira janela sobre certos aspetos do funcionamento (e pensamento) do poder central, regional e local, incluindo ministérios, câmaras municipais, hospitais, prisões e todo um conjunto de entidades do Estado ou com ele relacionadas.

Apesar de quase sempre a informação disponibilizada nos mais de um milhão de contratos desde 2009 (138 mil dos quais em 2019) não ser detalhada, existem muitas situações em que a despesa efetuada levanta a questão da utilização eficiente e justa do dinheiro dos contribuintes.

Numa pesquisa do portal pelo objeto do contrato que inclua, por exemplo, palavras como “bolo-rei”, “gabinete presidente”, “webapp de donativos” ou mesmo “Disneyland” encontramos situações de pequenos luxos, despesas que a maior parte dos cidadãos consideraria, no mínimo, questionáveis. Infelizmente, nem o portal Base, nem muitas destas entidades do Estado incluem detalhes sobre a lógica de um determinado contrato, ficando a dúvida entre os contribuintes sobre a real necessidade dessa mesma despesa.

Também preocupante é a preferência que parece existir em evitar procedimentos mais competitivos ou que requeiram maior trabalho por parte de quem os prepara. Por exemplo, em 2019, dos cerca de 15.600 contratos por consulta prévia para aquisição de serviços (cujo valor contratual máximo é de 74.999,99€, salvo as exceções contempladas na lei) foram realizados cerca de 800 contratos por um valor superior a 74.000,00€.

Não podendo o valor contratual ser superior ao preço base definido pela entidade adjudicante, significa que estes contratos tiveram um preço base próximo do valor máximo possível para processos de consulta prévia. Desta forma evitou-se o lançamento, por parte da entidade adjudicante, de um concurso público, requerendo apenas que sejam convidadas três entidades a apresentar proposta.

Não deixa de ser curioso que, destes cerca de 800 contratos, seis foram realizados pelo valor de 74.999,99€, dos quais cinco, de acordo com o portal Base, tiveram apenas uma proposta. Não parecem ter sido processos de contratação pública particularmente competitivos. O fenómeno é semelhante noutros tipos de contrato como aquisição de bens móveis ou empreitadas de obras públicas.

Quantos milhares de euros teriam sido poupados aos contribuintes se muitos destes contratos fossem adjudicados com base em concursos públicos em vez de consulta prévia, ou consulta prévia em vez de ajuste direto? Quantas mais empresas teriam oportunidade de participar num processo competitivo? Dá assim tanto trabalho umas horas mais de um funcionário se com isso se conseguir poupar 5.000 ou 10.000 euros?

Os contratos referidos acima respeitarão a lei na íntegra. Outra coisa não seria aceitável. No entanto, os limites definidos na lei para os diferentes tipos de processo (ajuste direto, consulta prévia, concurso público, etc.) não deviam ser a justificação para a escolha de um determinado tipo de processo apenas porque é mais simples de executar por parte da entidade adjudicante, se disso resultar um custo adicional para o contribuinte.

O portal Base é um bom instrumento para a transparência do funcionamento do Estado. Mas também ele pode (e deve) ser melhorado com a divulgação de mais informação, num formato facilmente acessível pelo cidadão. Que entidades foram convidadas num processo de consulta prévia ou como as mesmas foram escolhidas são exemplos, entre vários outros, de informação que não está disponível hoje.

Numa sociedade democrática não se aceita que o Estado não respeite a letra da lei, mas a sociedade não é verdadeiramente livre se o Estado não respeitar igualmente o espírito da lei.