A reação à tomada de Cabul é um sinal dos tempos. O mundo ocidental irrompeu em incredulidade, revolta e surpresa por um desfecho indubitavelmente terrível para os seus valores. Mas é uma reação hipócrita porque o desfecho era evidente há muitos meses e até maioria aplaudiu quando Obama anunciou a retirada em… 2014.

Os que rotineiramente censuram as ações da NATO e o “imperialismo” americano, optam agora por criticar a saída, na forma e no conteúdo. E não se trata apenas dos políticos. Não! É mesmo a “opinião pública” que prefere uma posição sonsa acerca de assuntos sobre os quais falta realismo para reconhecer quando não há soluções fáceis.

Diz-se que o povo tem os políticos que merece e parece ser mesmo assim. Os populismos de todos os quadrantes espelham esta hipocrisia da sociedade civil que só aponta o dedo já “Inês é morta”, quando lhe convém e, certamente, por uns breves dias.

Joe Biden tem sido particularmente inábil na gestão desta crise e as suas limitações enquanto estadista estão à vista. Biden não é certamente o maior culpado do desfecho no Afeganistão, ainda que a sua Administração continue a cometer erros grosseiros que obrigam a repatriamentos urgentes e deixam incontáveis toneladas de material militar nas mãos talibãs.

Terminou a lua de mel entre Biden e o resto do mundo, que o vê como mais um carrasco do povo afegão. Também internamente, com os norte-americanos ainda a tentarem gerir o compromisso entre a vontade de terminar a guerra e não deixar cair Cabul, Biden está hoje bem mais fragilizado.

O tema é relevante porque se é normal que a popularidade de um presidente diminua alguns meses após a posse, é mais preocupante este enfraquecimento prematuro perante inimigos e aliados. Os EUA têm uma agenda muito desafiante para os próximos anos a nível económico, social e na política externa e pode bem acontecer que os Democratas sintam a necessidade de substituir Joe Biden por Kamala Harris antes de 2025.