Portugal e a China têm uma longa história de amizade e cooperação. Fomos o primeiro povo europeu a estabelecer contacto com a China exclusivamente por via marítima, estivemos cinco séculos em Macau e, na última década, Portugal recebeu largos milhares de milhões de euros em investimentos chineses, quer da parte de grandes empresas, quer de muitos cidadãos que aqui compraram casas ao abrigo do programa de vistos gold.

Esta última fase coincidiu com a crise da dívida soberana que Portugal atravessou, entre 2011 e 2013. Na mesma altura, a China encontrava-se numa trajetória ascendente que tivera início duas décadas antes e que a transformara na segunda maior economia mundial.

Numa daquelas ironias da História que poucos seriam capazes de prever, o maior império comunista de sempre tornou-se o principal beneficiário de um processo de globalização que tivera início décadas antes, sob a égide das potências capitalistas ocidentais. Com os cofres cheios graças aos excedentes gigantescos que acumulou durante anos a fio no comércio com o Ocidente, a China começou a comprar empresas pelo mundo fora, incluindo em Portugal, onde investiu em companhias como a EDP, a REN, a Fidelidade e o BCP. Entrou em sectores estratégicos na Europa e nos próprios EUA, expandiu a sua influência em África e começou a investir a sério nas forças armadas, fazendo soar os alarmes nas chancelarias do Ocidente e dos países vizinhos.

Foi neste contexto que, a certa altura, os EUA se aperceberam que a globalização, tal como era, deixara de lhes ser favorável. A partir de 2016, Donald Trump tornou-se o mais vocal defensor de um regresso ao protecionismo, indo ao encontro de um eleitorado desiludido e ressentido que contava com milhões de “perdedores” da globalização.

Porém, o sentimento anti-chinês não é um exclusivo dos eleitores desiludidos da “Rust Belt” que ajudaram a eleger Trump. Em várias ocasiões, o democrata Joe Biden tem sido muito mais agressivo em relação à China do que o seu predecessor. E porquê? Porque todos, ricos, pobres ou remediados, encaram a China como o grande rival que ameaça a prosperidade e o modo de vida dos Estados Unidos.

Neste contexto, a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia (com a China a apoiar a Rússia), vieram desferir os golpes que faltavam na globalização. As trocas comerciais não deixarão de existir, é certo, mas o mundo estará cada vez mais dividido em grandes blocos económicos, políticos e militares. E os ocidentais não são os únicos a erguerem muros à sua volta. Também a China se está a virar para dentro, para o seu mercado interno, ao mesmo tempo que insiste numa política “Covid zero” que, vista de fora, não parece racional. Por tudo isto, ao contrário do que sucedeu nas crises anteriores, desta vez o mundo não pode contar com a China para ser o motor da retoma global.

Para Portugal, este cenário traz alguns desafios. O investimento chinês, em termos gerais, não estará em risco, a menos que ocorra uma invasão de Taiwan e sejam aplicadas sanções semelhantes às que foram usadas contra a Rússia. Porém, mesmo num cenário normal poderemos assistir à retirada de alguns investidores. Nomeadamente na EDP, onde a participação da China Three Gorges no seu capital tem criado problemas à presença do grupo nos EUA. Chegaremos a um momento em que a presença dos chineses na EDP se torna negativa para as duas partes e aí o caminho será o divórcio.

Outra situação a que devemos estar atentos é a da Fosun, o conglomerado que tem participações acionistas no Millennium bcp e na Fidelidade. Segundo noticiou o “Financial Times” esta semana, o grupo liderado por Guo Guangchang está a negociar um empréstimo de dois mil milhões de dólares com bancos chineses e pretende vender ativos no valor de cinco mil milhões, de maneira a reduzir a sua elevada dívida. A capacidade da Fosun para manter a confiança dos credores será crucial para saber se irá continuar em Portugal no longo prazo.