Estou aqui a pensar no género do nosso Governo. Parece-me ser daquele género que baralha, baralha e nunca chega a dar. Senão, vejamos.

Perdeu as eleições mas baralhou os costumes e formou Governo.

Anunciou o fim da austeridade, baralhou os números e os impostos atingiram o valor mais elevado de sempre.

Com a dívida pública, adivinhem, o Governo baralhou os dados e o seu valor absoluto atingiu um novo máximo.

Cereja no topo do bolo? No que diz respeito ao défice público, o Governo baralhou tudo e tivemos no primeiro trimestre do ano um excedente orçamental!

“Bravo” seria a palavra… se eu não detestasse este género.

Para baralhar ainda mais até às eleições, o tema do momento é o direito à auto-determinação do género. Enfim, um tema fracturante e decisivo para o bom desenvolvimento do país.

Não tenho absolutamente nada contra. Sou liberal quanto a questões económicas e de costumes e por isso cada um deve ter o direito a ser quem quer e nunca, em caso algum, deve ser discriminado, julgado ou maltratado por isso.

Mas quando…

  • o mundo dá sinais preocupantes que podem determinar uma nova recessão – sendo que Portugal, muito aberto (e bem) ao exterior, leva forte e feio com os efeitos recessivos dos outros países;
  • o excedente orçamental foi conseguido à custa do aumento de impostos e de cativações;
  • nunca se assistiu a tantas greves, transversais aos sectores mais críticos para a sociedade – saúde, educação e transportes;
  • a desigualdade entre sector público e sector privado se agudiza (estou a pensar por exemplo nas 35 horas de trabalho, nos direitos adquiridos ao nível das carreiras, no valor do salário mínimo…);
  • um Novo Banco continua a derreter dinheiro dos contribuintes e os seus responsáveis se mantêm em liberdade;
  • um Banco de Portugal se tem revelado completamente inoperante para prevenir “Novos Bancos”;
  • a quantidade de comissões de inquérito no Parlamento iguala em sinal contrário o seu resultado;
  • a violência doméstica não pára;
  • muitas das (reais) vítimas dos incêndios continuam à espera de apoio;
  • quando, com o conhecimento das instituições, a pobreza e a ignorância permitem que duas crianças de dez anos nunca tenham ido à escola;
  • mais uma vez, foram detectados erros em exames nacionais;
  • quando grávidas têm de conhecer um roteiro entre maternidades para ter os filhos;
  • quando casos de nepotismo e favorecimento atingiram números nunca vistos;

… o Governo, com um país de pantanas, preocupa-se com a aprovação de uma lei que pretende garantir a auto-determinação de crianças.

Sou só eu que acho que para além de haver questões mais prementes, este tema se resolveria muito melhor pela actuação “tailorizada” e de bom senso em cada escola? Sou só eu que acho que o bullying para com estas crianças vai aumentar? Que a preocupação maior deve ser deixar as crianças serem crianças? Sou só eu que acho que será normal e até desejável que rapazes – do género masculino e heteros – se sintam tentados a ir à casa de banho das raparigas?

Se falamos de crianças, estamos a falar de curiosos, de líderes, de tímidos, de seguidores… Que tal ensinar antes e “apenas” a não discriminar, a ajudar, a apoiar, a conviver com a diferença? Para além de que, com esta vontade de impor à força a não discriminação do género, onde é que fica o gordo, o feio e o caixa de óculos?

Nota: escusado será dizer que quando dou como exemplo rapazes, masculinos e heteros, também me refiro a raparigas, femininas e heteros… bem como a feia, a gorda e a caixa de óculos.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.