Estes dois exemplos evidenciam alguns sinais dos nossos tempos: o aumento drástico da população estrangeira no nosso país, com particular incidência durante os anos de governação de António Costa; o aumento das reivindicações sociais e económicas destes grupos, nomeadamente a nível de acesso à habitação (um problema transversal a milhões de portugueses); e a conduta de afronta às forças de segurança, inclusive por parte de alguma população imigrante.

Algumas pessoas preferirão subestimar a relevância destes eventos e dirão que o mediatismo lhes dá visibilidade exagerada. Dirão que são casos isolados. Todos os assuntos desconfortáveis no discurso político são remetidos à categoria de “caso isolado”, impossível de caracterizar e sem relevância estatística.

Porém, algumas destas transformações não passam despercebidas aos olhos de muitos portugueses. Geralmente aqueles que têm menos recursos para escapar à degradação do espaço público, ao aumento da insegurança e à fragmentação. Seja na rotina diária, de caminho para o trabalho, e no acesso aos vários serviços públicos, seja numa modesta escapadinha às praias da linha de Cascais por meio ferroviário, os portugueses vão notando uma avassaladora alteração do cenário demográfico incitada por decisores políticos que desistiram do país.

É possível que esta realidade passe ao lado de quem pode gozar de um faustoso descanso em destinos paradisíacos (daqueles sem cancelas automáticas), residir em bons bairros e confiar os seus filhos a bons colégios. Prosseguem tranquilamente as suas vidas, mesmo que se digam consternados e surpreendidos por acontecimentos como o incêndio na Mouraria, completamente previsível quando Lisboa se depara com um óbvio problema de sobrelotação de habitações e de emissão fraudulenta de atestados de residência.

Olhando concretamente para o caso do arrastão na praia de Carcavelos, os mais conformistas responderão, num discurso de total desapego, “existem outras praias… evitem praias como essa”. Parece que é suposto entregar o nosso património e o nosso modo de vida de bandeja, assistindo à depredação dos nossos recursos e aceitando a imposição de um inevitável acréscimo de medidas securitárias.

Conforme refere Douglas Murray, em “A Estranha Morte da Europa”, «os que têm recursos serão capazes – como é já o caso – de sustentar um estilo de vida reconhecivelmente semelhante por mais algum tempo. Os menos favorecidos terão de aceitar que não vivem num lugar que é a sua casa, mas num lugar que é uma casa do mundo. E ao mesmo tempo que os que chegam serão encorajados a cultivar as suas tradições e estilos de vida, os europeus cujas famílias estão aqui há gerações continuarão muito provavelmente a ouvir que as suas tradições são opressoras e ultrapassadas, mesmo à medida que constituem uma minoria cada vez mais pequena da população» (p. 302).

Quando não existe estima pela identidade autóctone, o compromisso com as famílias, com o rejuvenescimento e com a fixação dos jovens dificilmente encaixa nos curtos ciclos de poder do governo. Já estamos familiarizados com os remendos que António Costa privilegia para colmatar a falta de mão-de-obra, a emigração jovem e o envelhecimento populacional. Embora receba pouca atenção mediática, graças ao hábil condicionamento da agenda e do discurso político, o foco imigracionista de Costa ficará registado como um marco essencial da sua governação.

Nesse sentido, todo o discurso é orientado para a missão de inclusão e integração, num léxico aparentemente irresistível e sem consequências, de que é exemplo a aprovação da nova Agência Portuguesa para Minorias, Migrações e Asilo (APMMA), em substituição do SEF. Uma agência vocacionada para permitir a celeridade dos processos e o acolhimento mais rápido, nas palavras de Ana Catarina Mendes. Porque o Governo sabe promover a celeridade quando as metas a atingir lhe convêm. Tal como sabe permanecer em silêncio perante episódios que contrariem a narrativa da integração excepcional e de entendimento multicultural.

Conforme sugere José Pedro Zúquete, em “Populismo: lá fora e cá dentro”: «No médio e longo prazo, todas estas mudanças demográficas, culturais e étnicas impulsionadas pelas novas políticas migratórias e de naturalizações têm o potencial de fazer o país político entrar num novo paradigma da pós-portugalidade, caracterizado por uma identidade nacional menos consensual, mais aberta a conflitos, e pela possibilidade (não inevitabilidade) de uma sociedade mais entrincheirada e tribalizada» (pp. 252-253).

Basta percorrer as capitais de distrito por esse país fora para compreender a intensidade de tal transformação e o amadorismo com que os nossos decisores políticos fazem experimentalismo social. É imperativo que a sociedade portuguesa consiga questionar a opção imigracionista deste Governo que tem tentado restringir o debate e intimidar o contraditório ao arrogar-se como autoridade moral.

Só por ingenuidade ou negligência é que poderemos aceitar de ânimo leve que o Governo venda ilusões a quem quer vir, e que acrescente tensões e dificuldades à vida dos portugueses. Se não desafiarmos tal opção, muito benevolente na aparência, para além de diluirmos a nossa identidade, seremos ainda responsabilizados por todas as consequências trágicas que daí advenham.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Murray, Douglas. “A Estranha Morte da Europa.” Porto Salvo: Edições Desassossego/Saída de Emergência, 2018.

Zúquete, José Pedro. “Populismos: lá fora e cá dentro.” Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2022.