Durante décadas, a Autoridade Tributária (AT) e os tribunais portugueses entenderam que a isenção de IVA aplicável à locação apenas se aplicava às locações “paredes nuas”, i.e. aos contratos que não incluíssem nenhum outro elemento relevante (além da disponibilização do espaço) que conferisse ao imóvel uma aptidão específica para uma atividade económica.

Agora e, na sequência da jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça da UE, vem a AT alterar o entendimento anterior, passando a aplicar a isenção em termos mais amplos, abrangendo imóveis construídos de acordo com especificações estritas para o exercício de determinada atividade do ‘inquilino’ e, ainda, aqueles que incluam a cedência do uso de algum equipamento.

Perguntarão: se a AT está a alargar o âmbito de aplicação da isenção, qual o problema? Pois bem, o problema é que em IVA, o mundo funciona ao contrário – a generalidade das isenções não são benefícios, podendo ter um fortíssimo impacto negativo. Isto porque, estando a locação do imóvel isenta, o proprietário vê-se impedido de deduzir o IVA que suportou, por exemplo, na construção ou remodelação do edifício (e, caso já o tenha deduzido, ver-se-á obrigado a regularizar os montantes em causa). Pior, estando em causa a dedução de IVA suportado, por exemplo, na construção de imóveis, podemos estar a falar de regularizações de IVA deduzido quanto a operações realizadas nos últimos 20 anos.

É, por isso, fácil de perceber que a mudança de entendimento tem a potencialidade de afetar seriamente o equilíbrio económico de muitos contratos, como sejam as locações de espaços de escritório ou de outras atividades económicas (e.g. restaurantes) e, mesmo, contratos com uma dimensão tão relevante como a cessão de exploração dos edifícios equipados de Hotéis.

Torna-se, assim, urgente revisitar os contratos passados, quer de uma perspetiva puramente negocial – haverá ou não fundamento para revisão da renda? –, quer sobretudo na perspetiva do seu enquadramento fiscal.

E na perspetiva fiscal, são várias as dúvidas a esclarecer.

Desde logo, não é ainda claro como delimitar exatamente as operações isentas das tributadas. Com efeito, o novo entendimento considera que a operação é isenta quando a locação do imóvel continue a ter um papel preponderante na operação (i.e. sempre que exista uma relação de acessoriedade entre o arrendamento e a locação de bens adicionais ou prestações de serviços adicionais, em que aquele continue a desempenhar o papel prevalecente). Não existe, por isso, uma clara fronteira entre a operação isenta e a tributada.

Por outro lado, é fundamental pensar nesta alteração em termos de proteção das legítimas expectativas dos contribuintes. Pode esta mudança de entendimento pode ter efeitos para o passado? Pode a AT vir exigir a regularização do IVA deduzido quanto a anos passados ao senhorio e, bem assim, vir corrigir as deduções do IVA realizadas pelo inquilino, obrigando ambos ao pagamento de IVA adicional? Entendemos existirem argumentos para considerar que não.

Noutra perspetiva, não existirão também argumentos para permitir a abertura de um prazo ‘especial’ para que os contribuintes apresentem um pedido de renúncia à isenção, quando o mesmo não tenha sido apresentado por ser desnecessário face ao anterior entendimento da AT embora seja necessário à luz do novo entendimento?

Nenhuma destas questões tem uma resposta simples nem única, impondo-se uma análise de cada caso individualmente. A única certeza é que os operadores devem analisar os seus contratos e respetivo enquadramento fiscal com urgência, sob pena de se poderem ver confrontados com uma elevada fatura fiscal a pagar.