É desafiante gerir um negócio com o objetivo de mover pessoas quando a maioria das pessoas não se pode movimentar. Todas as extensões da nossa vida foram impactadas com a atual pandemia: em casa, no trabalho, em períodos de lazer ou de viagem. Os números de viagens pendulares colapsaram em todo o mundo, sabendo que pelo menos um terço do planeta chegou a estar sob alguma forma de confinamento.

De facto, o impacto em alguns ecossistemas da mobilidade foi extremo. Podemos, de forma preliminar, sublinhar o legado da atual pandemia na mobilidade em três áreas:

i) Confiança social: um novo epicentro da mobilidade
Um fator fundamental para o perfil de recuperação económica a ocorrer é a confiança social dos consumidores. A queda da confiança pode reduzir a procura pelo transporte público, com reforço da viatura privada enquanto modo preferencial – especialmente usados, low cost e viaturas ocupação reduzida e.g., scooters – apesar da redução absoluta na utilização da viatura privada. Por sua vez as empresas ficam com uma menor predisposição para investir em novas soluções de mobilidade e importantes parcerias podem ser questionadas por restrições de liquidez.

ii) Disrupção: alterações estruturais de padrões de consumo
Para além da dinâmica referida do transporte público versus viatura privada, o setor da micro mobilidade também é particularmente atingido por depender quer de transporte público para ter utilizadores para os seus serviços, quer de capital de investidores dado muitos operadores serem empresas em fase de lançamento.
Práticas de trabalho remoto em alguns setores de atividade podem alterar os padrões de mobilidade de forma significativa e.g., períodos de picos, pontos de recolha. Todas as formas de viagens de negócio estão paradas. Com a procura global de aviação contraída em mais de 70%, a expetativa de significativos bailouts lança a questão sobre uma reestruturação de larga escala deste setor.

Uma maior procura por produtos locais também aumenta a necessidade de capilaridade de rede e de infraestrutura off-parking. Por fim algum êxodo habitacional que ocorra dos centros das nossas cidades para os subúrbios questiona a capilaridade das redes de transporte público e de distribuição.

iii) Ritmo de mudança acelerado:
o novo normal que reforça a interdependência
Para além do receio na utilização de transporte público e em circular em locais fechados, a quebra da confiança social poderá ter um efeito cumulativo nas comunidades locais. É expectável que receios de distanciamento social se mantenham mesmo depois da disponibilização de uma vacina. Neste contexto de elevada incerteza, a cooperação entre diferentes ecossistemas da mobilidade e entre operadores de cada ecossistema é fundamental, sobre ambas atividades core e de suporte e.g., sistemas, equipamento, infraestruturas.
É expectável continuarmos a testemunhar uma nova era de mobilidade pessoal baseada não na viatura como um produto, mas na mobilidade como serviço. O contexto atual confirma esta direção. Contudo, todos vamos sair diferentes desta pandemia, e novas normas comportamentais vão emergir. A capacidade de uma gestão ambidextra, que equilibre a navegação no curto prazo enquanto em paralelo se constrói o futuro no qual queremos navegar, nunca foi tão relevante.