A semana passada ouvi a Ana Gomes defender a criação de um imposto Covid-19, dando ênfase às empresas que “pagam impostos fora de Portugal o que, não sendo ilegal, é imoral”. Esta ideia da imoralidade não obstante a legalidade é discurso de muitos.

E bateu o pé sobretudo à Holanda e a esta mania que “eles” têm de seduzir empresas portuguesas (e não só) a sediar-se por lá. Estamos a falar de grupos como a Galp, Sonae, EDP, Jerónimo Martins, Mota-Engil e muitos mais.

Eu preferia que todos os impostos fossem pagos em Portugal? Claro que sim, mas apenas porque isso permitiria que todos os portugueses pagassem menos impostos. Ou talvez não… porque, na realidade, nunca se veem grandes esforços no sentido da sua redução. Quando há dinheiro gasta-se, por exemplo, em obra e muito em derrapagens de obras. Quando não há, aumentam-se os impostos, diretos, indiretos e ainda se criam novos, que começam por ser temporários e, afinal, passam a definitivos.

Que raio estes holandeses que, sem fazer nada de ilegal e sem corrupção, conseguem sacar milhões em impostos que deveriam ser nossos… Estamos a falar em cerca de 236 milhões de euros por ano. Do outro lado temos as empresas, igualmente malditas, que sem incorrer em ilegalidades, gerem o seu negócio da forma que entendem mais correcta face aos elementos que têm em cima da mesa.

E o que têm estas empresas, de grande dimensão e de âmbito internacional, em cima da mesa? Têm a opção de ter sede num país, Portugal, onde a fiscalidade é a mais elevada da Europa, apenas ultrapassada pela França, ou na Holanda, que lhes oferece condições mais vantajosas.

Têm também a opção por um país, Portugal, com um número relativamente reduzido de acordos de dupla tributação – numa empresa que pensa estrategicamente e que está ou vai estar presente em outros países do mundo, esta decisão é obviamente relevante – versus uma Holanda que tem acordos de dupla tributação com cerca de uma centena de países.

Têm ainda a opção por um país, Portugal, onde a estabilidade fiscal é uma miragem – criam-se e alteram-se impostos sempre que apetece ao governo em exercício, é impossível dar como válido amanhã o que é a realidade de hoje, com a agravante de ser assim desde sempre – ou um país onde a estabilidade é reconhecida, como a Holanda.

E têm ainda a opção por um país, Portugal, com notação de rating BBB (dois degraus acima do designado “lixo”) ou por uma Holanda classificada com AAA (notação máxima possível, que pode consultar aqui), com impacto na avaliação que as casas de investimento farão quando a empresa a elas quiser recorrer.

Posto isto, e como já percebemos, não existindo qualquer ilegalidade na prática destas empresas, parece-vos que a moralidade deve estar acima de todos estes elementos na árvore de decisão de um gestor, quando Portugal lidera o ranking da instabilidade fiscal, da inércia jurídica, da burocracia e, sobretudo, da corrupção? Onde, mais uma vez, Portugal apresenta uma nota de 62 versus um 82 holandês?

Talvez deva ser discutido antes o que é moralidade ou o que se pretende numa União Europeia (UE). Uma União sem harmonização fiscal faz sentido? Devemos criticar a Holanda por seduzir as nossas empresas ou devemos, antes, aprender com ela?

Porque é que a zona franca da Madeira não tem o mesmo atrativo? Será que o facto de ser gerida por uma entidade privada lança suspeita? Porque é que nos países do norte da Europa não se reclamam os impostos que são pagos? Será que é por os verem traduzidos nos serviços públicos a que têm acesso e com a qualidade desejada?

Não podendo estar contra práticas empresariais que são legais nem contra países que gerem a política fiscal de forma mais inteligente, o meu desejo é que Portugal aprenda e se torne atrativo para o investimento nacional e estrangeiro para que todos os portugueses possam pagar menos impostos. Isso, sim, é o que me importa e tem subjacente uma boa moral.

Por fim, sobre a solidariedade holandesa para com os países do sul da Europa, sugiro que consulte este link, que mostra, de forma evidente e por país, as contribuições líquidas para a UE.

Num país amante de futebol, é ver e ouvir treinadores de bancada que nunca tocaram numa bola. Vamos pensar no Cristiano Ronaldo. É português, revelou-se no Sporting, afirma-se do Sporting e mostra-se orgulhoso em ser português. Mas não foi por isso que deixou de ir para o Manchester United. Foi imoral?