Ainda na semana passada, Yuval Harari deixou o aviso de que a Inteligência Artificial pode ser o “T-Rex que destruirá a democracia”. Julgo que o seu diagnóstico é errado. O que mata os regimes que conhecemos é a sua podridão, a erosão constante do sistema político. A degradação da esfera judicial e de outros serviços essenciais do Estado, como a saúde e educação. Tudo isto acrescido pela corrupção da classe política (em que diversos casos em autarquias são exemplo do nojo dos aparelhos partidários), bem como a evidente falta de sentido de Estado de demasiados protagonistas.

Uma das mais fascinantes personagens da mítica série “O Polvo”, Spinoza, o homem que guardava os segredos mais comprometedores de todos os que detinham algum poder, dizia que “a corrupção é nojenta, suja as mãos, mas é o óleo que faz mexer os mecanismos do poder”. Era puro e requintado cinismo, mas não. A política não precisa de nenhum lubrificante. O que necessita mesmo é de ética e moral.

Por isso, foi degradante o espectáculo a que se assistiu na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP na semana passada. Tudo já vinha da conferência de imprensa dada por João Galamba num fatídico sábado para a sua credibilidade E onde a partir daí provou que não tinha qualquer capacidade política para ser ministro. Nesse dia, o ministro das Infraestruturas referiu que contactou vários colegas do Governo. O problema é que se esqueceu que o primeiro para quem ligou foi o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, o que de imediato criou a percepção que em vários momentos não falou verdade ou, pelo menos, omitiu.

Para lá da gravíssima situação ocorrida com o SIS. A um ano da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, foi aterrorizador o depoimento de Frederico Pinheiro, quando disse que foi várias vezes contactado por telefone por um elemento do SIS, fazendo lembrar tempos da Pide com enormes pinceladas do Estado Novo.

Só que, durante os dois dias em que prestaram declarações, Frederico Pinheiro, Eugénio Correia e João Galamba, o primeiro-ministro estava a divertir-se num concerto dos Coldplay, em Coimbra, e no dia seguinte, sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa decide convocar os jornalistas para uma conversa que, depois, passado pouco tempo, desmarcou sem mais tarde deixar de ir – mas desta feita não comeu gelados – dar uma volta ao quarteirão para falar com jornalistas. Ora, estando nós em plena posse das nossas faculdades, só poderemos afirmar que mais parecia estarmos num manicómio.

Até dia 16 de Junho, data da última audição parlamentar a Fernando Medina na CPI, o Governo será fustigado com aquilo que é, como já escrevi no passado, o seu Vietname. Só depois de se libertar deste pesadelo, António Costa terá a oportunidade de retomar o controlo político e, provavelmente, fazer a remodelação que já tinha em mente, mas que não queria ver influenciada pelo Presidente da República, pois quem tem o poder executivo é, efectivamente, o primeiro-ministro.

O problema é que a maioria absoluta continua consolidada. Forte no Parlamento e sem dissensões no Executivo há, contudo, uma evidente degradação dos serviços públicos e em pilares essenciais do sistema. Para lá de enormes sintomas de uma doença endémica, e à beira de se tornar incurável, que pode afetar o futuro do regime democrático: a falta de qualidade da nossa classe política.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.