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Ascenso Simões: “O Presidente da República não manda em mim”

Ascenso Simões defende a taxação do setor das energias renováveis e critica o que diz ser o “veto inconstitucional” à lei do financiamento dos partidos.
28 Janeiro 2018, 17h00

Votou a favor da proposta do BE de aplicação de uma taxa às empresas do setor das energias renováveis, divergindo da bancada parlamentar do PS, cujo presidente Carlos César fez queixa à Comissão Nacional de Jurisdição (CNJ). Sente-se cerceado da sua liberdade de deputado eleito, por causa de um voto que não colocou em causa a aprovação do Orçamento do Estado (OE)?
Não, não sinto. O presidente da bancada parlamentar informou a CNJ e pediu uma leitura do que aconteceu, por causa da previsão estatutária e regulamentar do grupo parlamentar em que os deputados se obrigam a aprovar o OE. A questão está em saber se se pode aprovar o OE, votando contra uma norma em concreto. Esse processo terá os seus trâmites e não há nenhum drama relativamente a isso. Nunca senti, dentro do PS, apesar da excentricidade das minhas posições e em muitos momentos ter ficado sozinho perante determinadas matérias, qualquer circunstância que limitasse a minha independência e capacidade de agir. Mas há uma coisa que eu sabia: que no momento seguinte a EDP ia deixar de pagar a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE). E isso confirmou-se passados 15 dias.

Como é que sabia?
Porque quando se identifica publicamente que se trata de um problema de cumprimento de contratos, portanto a CESE tinha grandes dificuldades de sustentação jurídica, aquilo que todas as empresas vão dizer é que, se os poderes públicos, se o debate parlamentar chega a esta conclusão, então vamos deixar de pagar. Ou seja, não se trata só de pagar uma CESE nova, trata-se também de deixar de pagar a CESE que já estava em vigor e até foi criada pelo Governo do PSD e CDS-PP. Agora, a minha opinião é que não apenas o Estado português tem sustentação legal, jurídica, e tem condições para aplicar a CESE, como nenhum dos processos movidos em situações similares na Espanha foi decidido a favor das empresas. Foram todos decididos a favor do Estado.

Exceto um que não foi julgado na Espanha…
Só um que foi julgado nos EUA e ainda está sob recurso. Tem que ver com a Carta da Energia que diz que deve haver um equilíbrio relativamente ao contrato.

Os casos de Portugal seriam julgados onde?
Seriam julgados em Portugal, porque os contratos dizem que os tribunais portugueses são competentes para julgar problemas no âmbito das concessões e das empresas.

Portanto, nem sequer haveria esse risco?
Não, nem sequer haveria esse risco. Mas há um problema mais largo. Se nós tivermos essa perspetiva tão dogmática, totalitária, então nós não podemos aumentar o IRC, nem o IVA, não podemos inovar no que diz respeito ao universo tributário das empresas. Isso não é um pressuposto. Até a expropriação pode ser prevista, desde que tenha uma compensação justa, determinada pelos tribunais. Essa visão da Carta da Energia, que foi usada como argumento nos EUA onde há elementos regulatórios completamente diferentes, quase que consolidam ‘ad aeternum’ os direitos das empresas relativamente ao Estado, isso não pode ser transportado para o universo jurídico, legal, dos países da Europa. Não acontece em Portugal nem em Espanha, pelo que esses argumentos não são válidos. Tratava-se do alargamento da CESE a um universo muito específico de contratos que são leoninos para os consumidores. Nós temos, no setor das energias renováveis, uma grande influência dos mercados financeiros, porque continua a ter remunerações de investimento extraordinárias. Muito mais altas, por exemplo, do que a produção hidroelétrica. Muito mais altas do que outros tipo de rendas excessivas que existem em Portugal.

Concordava com a proposta do BE tal como estava desenhada?
O BE teve três propostas…

A última versão…
A última proposta do BE já resultava de um entendimento com o Governo. Nessa perspetiva, não só concordava com a proposta, como achava que podia fazer outra coisa: alargar o pagamento da CESE a todo o setor, reduzindo o impacto nos produtores que já a pagam.

Acredita que essa proposta ainda poderá voltar ao debate parlamentar, ou está enterrada?
Em política nada está enterrado. Esse é um princípio que devemos ter sempre em atenção. Mas gostaria de dizer que nós temos vindo a fazer uma política no setor energético, quer da parte do regulador, quer da parte do Governo, que vai no sentido de encontrarmos um equilíbrio. Nós não podemos pôr em causa as empresas do setor. Os portugueses têm a mania de achar que os grandes problemas que se colocam no setor energético são culpa da EDP, que tudo é culpa da EDP, e isso não é verdade. Corremos um sério risco de criar na EDP um bode expiatório que, por ausência de ponderação, leve a que a EDP sofra muito e até possa ter um caminho semelhante à PT.

Está a co-responsabilizar outras empresas além da EDP, ou refere-se à forma como a EDP foi privatizada e os contratos estruturados…
Sou desfavorável à não presença do Estado no âmbito da EDP Distribuição. Enquanto houvesse uma incumbência, o Estado deveria estar presente. E também achei errado que o Estado tivesse abandonado a sua presença na REN. Essa presença acontece em quase todos os países da Europa. Só em Portugal, fruto de uma implicação da “troika”, levada ao extremo por um Governo ideologicamente muito liberal, é que abandonámos setores essenciais para a soberania.

A nomeação de Luís Amado como chairman da EDP poderá ser um sinal de apaziguamento na relação entre a EDP e o Governo?
Eu só lhe digo o que faria se estivesse no lugar de Luís Amado. Nós somos nós e a própria circunstância. Amado era presidente do Banif na circunstância do seu desaparecimento. E aquilo que deveria ter acontecido era algum recato nos anos seguintes, perante a realidade simbólica da imagem que os portugueses têm de nós. Mas Amado tem todas as condições de poder decidir aquilo que entender. Não acho que seja vantajoso para a própria EDP, a escolha de Amado.

O PS vai insistir nas alterações à lei de financiamento dos partidos tal como estão, apesar do veto presidencial, concorda?
Concordo e acho que o PS e os outros partidos deviam ter dito ao Presidente da República (PR) que não tinha razão na forma como identificou o problema, quer de transparência, quer do tratamento que foi dado à Assembleia da República (AR).

Não tinha razão quanto à inexistência de debate público?
O que é um debate público? Quem é que faz, quem é que ter de intervir no debate público relativamente a essa questão? Quem é que determina o que é um debate público? É o PR? Isso é uma visão de tutela relativamente a um órgão de soberania. O PR não tem tutela sobre a AR que é um órgão de soberania. E aquilo que o PR fez, na mensagem que enviou à AR, é um veto inconstitucional. Porque determina a outra órgão como é que tem de se comportar.

Representa uma extravasação dos poderes presidenciais?
Sim, acho que é um veto inadequado à visão que o PR tem que ter relativamente ao funcionamento dos órgãos de soberania. Se o PR dissesse que vetava por causa da sua discordância, era um veto político. Se dissesse que resultava de dúvidas quanto à constitucionalidade do diploma, muito bem. Agora, um veto sobre o funcionamento da AR, órgão de soberania, é um veto inconstitucional e que vai além do respeito que o PR tem que ter por outro órgão de soberania.

Mas indo ao concreto das alterações, não acha que deixar de se limitar a angariação de fundos, eliminar o valor máximo anual, isso não abre a porta a práticas abusivas?
Esse princípio de que todos os agentes políticos são desonestos é aquilo que mais me irrita. Porque é também o princípio de que os partidos estão à margem da lei. Eu não tenho o direito de desconfiar de ninguém, em qualquer atividade, dos órgãos das associações empresariais às igrejas. Porque é que em Portugal não se questiona a inexistência de uma sindicância relativamente às contas de Fátima? Porquê? Que hipocrisia é esta? Os partidos são os alvos a abater, são os maus da fita. Os partidos, esses elementos essenciais à nossa democracia, são uma podridão. O ponto principal de qualquer texto, qualquer peça jornalística, parte desse princípio. E isso é danoso para a democracia.
A desconfiança em relação ao financiamento dos partidos não resultará de alguns casos concretos, no passado recente, como o financiamento do PSD pela Somague ou os depósitos de Jacinto Leite Capelo Rego em conta bancária do CDS-PP, por exemplo?
Esses casos do passado são os casos que levam a que você viva ao lado de um homicida em série, mas eu não o considero a si como homicida em série. Achar que por ter havido um Jacinto Rego que fez donativos ao CDS-PP, que a partir daí todos os partidos estão cheios de Jacintos Regos… Passar de um caso para a generalização é a visão do pelourinho que hoje nós transportamos para as redes sociais. Ou seja, nós perdemos a distância relativamente aos problemas e tratamos a unidade transportando para o todo. E isso é um dos grandes problemas da nossa civilização e do tempo em que vivemos.

Segue-se um braço-de-ferro com o PR?
Tenho muitas dúvidas de que haja no PSD, até às eleições de 2019, disponibilidade para avaliar estes dossiês. Acho que com a eleição do novo líder do PSD entramos no período eleitoral para 2019. E portanto não há nenhuma condição, porque o veto obriga a uma confirmação parlamentar em que o PS e o PSD têm que estar de acordo.

Algo que não vai acontecer…
Muito dificilmente nós teremos uma resolução do problema. Agora, também poderemos vir a ter um outro problema que é não resolvermos as solicitações do Tribunal Constitucional (TC) relativamente às contas dos partidos. Eu apelaria aos partidos para que separassem as coisas…

Essa foi a sugestão do PR…
Sim, mas a sugestão do PR vale o que vale dentro do Parlamento. Vamos lá ver, o PR sugere o que entender, o PR vai onde entender, mas o PR não manda em mim.

Mas está a dizer que vão acabar por acatar a sugestão…
Não, aquilo que eu recomendaria como bom senso, aquilo que eu aceitaria, que eu recomendaria aos grupos parlamentares que fizessem, independentemente daquilo que o PR diz todos os dias, quarenta vezes por dia, é isto: separar as coisas, para responder às solicitações do TC. O PR para mim é absolutamente irrelevante. É mais um elemento, é mais um dado. Eu respeito o PR institucionalmente, mas o PR não determina o meu levantar de dedo ou de braço no Parlamento. Nem a minha elaboração de relatórios. Nem a forma como eu voto, quer em comissão quer em plenário. O PR tem o seu lugar. Está no Palácio de Belém, cumpre as suas funções constitucionais, mas não intervém nas minhas.

Publicou recentemente o livro “Opções Inadiáveis para uma Política Progressista”. Entre as “opções inadiáveis” destaca a regionalização. O flagelo dos incêndios florestais, a desertificação do interior, a carência de estruturas intermédias de poder, considera que são factores que tornam mais premente avançar com a regionalização?
O problema da desertificação do interior tem várias leituras. Ou seja, quando nós falamos em desertificação, nós podemos falar da desertificação enquanto universo físico, enquanto despovoamento e enquanto falta de expectativas das pessoas que lá vivem. Ou seja, temos três universos em que as políticas públicas têm sido pouco ativas. Quando nós olhamos para a desertificação em termos físicos, nós constatamos que vamos tendo cada vez mais território ameaçado pela desertificação física, portanto com graves problemas em termos do uso do próprio solo para atividades agrícolas, para atividades florestais, ou para atividades de natureza pecuária. Quando nós falamos do despovoamento, isso está comprovado com a realidade concreta dos censos, ou seja, nós regressámos a um universo em termos de povoamento que é muito semelhante ao universo que verificámos nas décadas de 1960 e 1970, quando saíram levas muito significativas de pessoas para a emigração europeia. Nós hoje estamos a verificar, em grande parte do território, uma redução muito significativa da população que aí reside. Acompanhada também de um envelhecimento. E depois temos o problema do futuro das pessoas que vivem no interior, ou seja, nós ainda temos muitas pessoas que vivem no interior, muitas famílias, com uma realidade simbólica que é a de viverem longe das oportunidades. Portanto é para aqui que nós temos que encontrar também linhas de política que façam cidade no interior. Um dos grandes problemas que hoje se colocam aos jovens é terem a sensação de que estão na cidade, a sensação de que integram um universo mais amplo, a sensação de que as oportunidades lhes chegam. Esse é um dos problemas que leva a que as pessoas saiam, a sensação de pertencer à cidade. Não é um problema típico de Portugal, é um problema que se está a consagrar em muitos territórios, a ONU prevê um crescimento das cidades, até 2050, que pode chegar em alguns territórios a 60% da população de cada país, ou mais. Temos uma realidade de consagração da cidade como elemento simbólico da vida.

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