1. Estamos a caminho das eleições autárquicas de 26 de Setembro e a sermos “inundados” com a propaganda dos candidatos, na sua maioria, de má qualidade.

Sophia de Mello Breyner, na Cantata da Paz, alertou-nos: “Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos ignorar”.

Não poderemos ignorar nem esquecer as promessas ou a falta delas dos candidatos que, de todas as formas, estão a procurar entrar em nós, mas, em especial, de quem, nos próximos tempos, irá gerir os destinos dos territórios onde nos situaremos, para lhes exigir cumprimento.

2. Trago o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para tema das eleições autárquicas e não a discussão do Plano em si, porque essa já não tem sentido. O PRR existe, está aprovado e dotado financeiramente com 16,6 mil milhões de euros, sendo 13,9 mil em subvenções a fundo perdido e 2,7 mil milhões de empréstimos em condições especiais.

O Plano é este. Podia ser outro, com certeza. Mas é este. Então, resta executá-lo.

O Plano tem margem para a criatividade dos actores chamados a intervir na sua concretização (e são muitos e de várias frentes), aos quais devemos exigir competência, empenho, rigor, programação, garra e velocidade de execução.

3. O primeiro-ministro António Costa, numa das suas múltiplas sessões públicas em que falou do PRR, penso na apresentação em Coimbra em Abril passado, enfatizou: o sucesso dependerá da execução descentralizada, a realizar através de parcerias com um conjunto diversificado de actores. Entre eles, destacou de sobremaneira as Autarquias, relevando dois pontos:

  • As autarquias vão ter um papel crucial na execução de várias componentes do PRR, por exemplo na descarbonização dos transportes públicos, em certos investimentos sociais como os cuidados de saúde primários, em estreita ligação com outros actores, como as misericórdias, mutualidades, IPSS, sem esquecer as áreas económicas de localização empresarial, estas, sobretudo no interior do País.
  • E, em especial, o financiamento a custo zero no acesso à Habitação, designadamente através do Programa 1º Direito a executar de forma contratualizada.

O 1º Direito é um Programa de Apoio ao Acesso à Habitação criado pelo Decreto-Lei nº 37/2018 de 4 de Junho, definido no artigo 2º como “programa de apoio público à promoção de soluções habitáveis para pessoas que vivem em condições indignas e que não dispõem da capacidade financeira para suportar o custo de acesso a uma habitação adequada”.

4. O 1.º Direito é, sem dúvida, um programa básico, necessário, do maior relevo, mas a Habitação requer muito mais.

Há as pessoas vulneráveis, visíveis em termos habitacionais. Basta um simples passeio por qualquer aglomerado populacional e essa situação salta à vista, bem mais grave nas cidades maiores. Para essas, vai o 1º Direito.

Mas atenção aos “vulneráveis invisíveis”! São muitos, abrangem vastas camadas da população, como estratos da classe média, muita juventude em princípio de carreira ou de vida, certamente muitos mais que as 26.000 famílias identificadas de carecem de habitação minimamente condigna.

A Habitação no centro da recuperação da economia do País

5. A Habitação é uma das alavancas da recuperação económica do país pelos múltiplos impactos que tem em diversos sectores da Economia (serviços de arquitectura e engenharia, madeira, mobiliário, cerâmica, vidro, cimento, tintas, produtos siderúrgicos, produtos metálicos, electrodomésticos, têxtil, gestão de condomínios, banca, seguros, e serviços como telecomunicações, água, energia, etc.).

A Habitação é um segmento da Construção importante, “mexe” com a economia no seu todo. Funciona de barómetro da “saúde económica” do país.

Mas, há a juntar àquele estrato populacional sem condições mínimas de habitação, impõe-se um investimento de monta para que todo o parque existente no País e nas Autarquias atinja uma dimensão que proporcione a colocação no mercado de casas de renda acessível a toda a população. E acessível tem um significado preciso. Uma percentagem padrão a pagar de acordo com o rendimento de cada um.

Os meus receios …

6. Vamos ter, nos termos do PRR, um montante volumoso de fundos públicos a fundo perdido a aplicar na Habitação, um montante da ordem de 3 mil milhões de euros e ainda uma outra rubrica significativa para a eficiência energética de edifícios de 610 milhões de euros, aplicando-se na Habitação cerca de metade.

Sabendo-se que a Habitação em Portugal tem limitações graves de raiz em termos de construção (temperatura e isolamento), desconheço medidas governamentais, tendentes a melhorar estas deficiências. Também não vi abordada a questão de preparar a Habitação para o problema em crescimento do fenómeno do teletrabalho que o Covid-19 tanto pôs a nu, bem como da flexibilização do uso da casa a impor-se cada vez mais.

A Habitação não é apenas um local onde “dormir”. Deverá responder a condições de bem estar, de trabalho, de estudo, pelo menos para aquelas camadas da população que não terão capacidade para dispor de escritório próprio.

E agora os problemas de enquadramento

7. A Constituição consagra o direito fundamental de acesso à Habitação dos portugueses. Há cerca de dois anos, a AR produziu uma lei de bases, cuja regulamentação ainda não viu a luz do dia.

E as questões de fundo que se colocam na aplicação destes dinheiros públicos na Habitação necessitam de uma lei enquadradora onde o papel do Estado e das Autarquias não deixe dúvidas.

O Estado central e as Autarquias devem ter uma política pública que oriente a aplicação destas verbas, ou seja, o seu papel não pode cingir-se a um simples agilizar do mercado. O Estado deve ter sob a sua orientação o domínio das peças todas, para impedir que estas verbas ainda vão parar ao mercado especulativo de Habitação. As empresas terão necessariamente um papel muito importante na qualidade de produtores da habitação e de fornecedores de material e equipamento.

Voltando às Autarquias

8. As Autarquias neste próximo mandato terão ao seu dispor fundos reforçados para levar a cabo uma política de Habitação no respectivo concelho.

Um dos indicadores interessantes para se avaliar a campanha passa, sem dúvida, pelas ideias articuladas que as listas candidatas apresentam neste domínio.

Para além do grande contributo para o país, uma estratégia habitacional para o concelho traduzir-se-á na melhoria das condições de vida dos habitantes.

Se tudo se desenvolver de forma conjugada, o parque habitacional do país e por município ficará muito Mais rico e modernizado em 2026 de forma a servir as reais necessidades do País. Será um grande passo em frente, mas que não pode parar. Melhorar a Habitação é um processo dinâmico.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.