1. Há dois anos, Isabel Diaz Ayuso, formada em jornalismo, era praticamente uma desconhecida quando o líder do Partido Popular, Pablo Casado, a escolheu para a candidatura à câmara de Madrid.

Perdeu, para o PSOE, mas conseguiu formar uma ‘geringonça’ para governar. As ‘muletas’ foram um partido agora a caminho da irrelevância, Ciudadanos, centrista, vagamente de direita, que por ser de origem catalã teve importância a reboque da crise independentista, e outro a crescer, o Vox, de extrema-direita, dirigido pelo basco Santiago Abascal.

Hoje, depois das eleições antecipadas, que ganhou de forma estrondosa após o divórcio litigioso com o Ciudadanos, Ayuso (65 deputados eleitos numa assembleia de 136) quase que dispensa o apoio do Vox (13).

Estas eleições têm um importante significado político em Espanha. Elas já produziram o anúncio de retirada de um dos dois líderes da extrema-esquerda nacional, Pablo Iglesias, ultrapassado pelo partido (Más País) do seu antigo braço direito no Podemos, Íñigo Errejón, que elegeu em Madrid tantos deputados quantos o PSOE: 24. Iglesias ficou-se pelos 10, atrás do Vox.

2. Para além das leituras políticas, estes resultados traduzem a vitória de uma liderança social em tempos de Covid-19.

Ayuso, 42 anos, antiga responsável pelas redes sociais e comunicação digital do PP, marcou de forma importante a política de combate à pandemia na região de Madrid, na maior parte das vezes à revelia das decisões do governo central e, noutras, antecipando-se a elas em vários dias ou mesmo semanas.

Numa região na qual já foram declarados cerca de 15 mil mortos oficiais (dos do país) devidos à pandemia, Ayuso foi fazendo coisas neste último ano. Criou um gigantesco hospital de campanha. Colocou cadeias de restauração de nome internacional a abastecer escolas. Fretou aviões para trazer material sanitário desde a China. Fez acordos laborais para regular o teletrabalho. Opôs-se ao fecho generalizado de bares e restaurantes e ganhou nos tribunais essa luta com o governo.

3. Ou seja, Ayuso não fez política de gabinetes, de entrevistas e de comunicados. Fez política da forma mais nobre: com opções importantes naquilo que realmente importa na vida das pessoas.

Num momento difícil, foi à luta com perspetivas originais e sem medo. Neste caso, tentou conjugar o combate à pandemia com preocupações pelo funcionamento de áreas importantes da economia. Madrid, tantas vezes estigmatizada como o coração da centralidade espanhola, resistiu ao governo central (PSOE/Podemos) e apresentou alternativas às restrições impostas pela pandemia.

O lema “Liberdade e Vida” captou a simpatia dos jovens, juntou-lhe o tradicional eleitorado conservador de mais idade e, de caminho, arregimentou as pessoas cuja atividade seria mais afetada pelo confinamento geral. Terá sido isso que deu gás ao fenómeno e aos resultados que agora se conhecem, e que em Portugal começam a ser lidos ao sabor dos interesses dos partidos.

4. Não deixa de ser irónico, visto na perspetiva que faz caminho em Portugal, descortinar, aqui ao lado, em Espanha, um exemplo de resistência, cidadania e Liberdade vindo ‘da direita’, essa horrível direita que na ortodoxia dominante em Portugal diz-se que não preza a Liberdade e os direitos das pessoas. Tomemos nota.