As medidas restritivas que diferentes governos europeus se viram forçados a decretar nas últimas semanas, por força do exponencial aumento de contágios por Covid-19, têm merecido sonoros e, por vezes, violentos protestos, daqueles que entendem ter sido sequestradas as suas liberdades. Embora minoritárias, pois que a maioria dos cidadãos tem cumprido as normas, inconvenientes mas inevitáveis, estas vozes expressam um conceito pervertido de liberdade, traduzido em egoísmo.

O pressuposto de que o Estado não pode constranger qualquer liberdade em circunstância alguma – mesmo em tempo de crise sanitária, como é o caso presente -, não é compatível com a ideia de sociedade. Uma sociedade exige compromissos e cedências da liberdade de cada um para que os demais possam beneficiar da sua.

Para que esta seja viável, a liberdade individual e os direitos que permitem o seu usufruto, implicam a assunção de responsabilidades e deveres para com os demais. E é responsabilidade e dever de cada um aceitar que o próprio Estado – em circunstâncias excepcionais e por tempo limitado, sempre em conformidade com as disposições legais – resgate temporariamente algumas liberdades e suprima direitos para assegurar o bem do conjunto da comunidade.

Porém, os utopistas libertários, não concebem que somente em sociedade se pode garantir a liberdade como valor universal, condição, aliás, da sua concretização, pois a liberdade só é autêntica quando para todos.

Dito isto, não deixa de ser digna de nota a rebelião de cerca de uma centena de parlamentares conservadores britânicos, que se opuseram à adopção pelo seu governo de medidas de restrição sanitária, somente porque votadas favoravelmente pela bancada trabalhista. Parece ter ocorrido entre os conservadores uma adulteração do conceito de liberdade que tradicionalmente defendiam.

Decerto por influência do individualismo feroz defendido por Margaret Thatcher, que chegou a proclamar que “there’s no such thing as society”, porventura a frase menos conservadora que alguma vez pronunciou, os conservadores tenham perdido o sentido último da defesa das liberdades individuais.

Com efeito, a defesa da liberdade do indivíduo, para um conservador, justifica-se – coincidindo neste ponto com os libertários – como garantia de independência face ao controlo da vida de cada um pelo Estado. Porém, a liberdade individual – e é neste aspecto que os conservadores se separam dos libertários – não se esgota em si mesma, é condição para o florescimento da sociedade civil, na qual a liberdade se concretiza, pois que o indivíduo, enquanto ser social e moral, não é concebível fora de um conjunto de instituições: a família, a escola, a empresa, a comunidade local e, por último, o todo que é a comunidade nacional.

O individualismo radical não é, em suma, um valor conservador, mas os tories – dos parlamentares à imprensa –, parecem encontrar-se ainda sob a marcante influência da Dama de Ferro, cujo conservadorismo não está em causa, mas ao qual imprimiu características estranhas à sua tradição. Talvez fosse benéfico remédio para os tories relerem os pensadores conservadores da velha guarda, de que parecem estar esquecidos, para que se restabeleçam dos males que o vírus libertário que lhes causou.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.