O Orçamento do Estado deve, enquanto programa anual sobre as receitas e despesas públicas do Estado, refletir de forma clara as opções políticas e financeiras do país.

Numa economia de mercado como a nossa, é normal que num determinado momento de definição da política fiscal se entrecruzem critérios de gestão financeira pura com outros de cariz extrafiscal, em que se incluem as medidas orçamentais de caráter ambiental.

É num contexto global de consciencialização ambiental da crise climática e de assunção de compromissos internacionais para redução dos níveis de emissão de gases com efeito de estufa que será aprovado, com maior ou menor discussão, o Orçamento do Estado para 2020.

Portugal assumiu, no âmbito do Green Deal Europeu, o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050. O Governo reconhece e assume o desafio da transição energética para redução das emissões de gases com efeito de estufa e comprometeu-se junto da União Europeia a alcançar a meta de 47% de energia de fonte renovável no consumo final bruto de energia até 2030.

O setor da energia é um dos maiores responsáveis, não só em Portugal, mas a nível mundial, pela libertação de gases de efeito estufa – mais de 75% das emissões totais -, sendo também por isso que se deve procurar neste setor parte relevante das soluções e implementar-se as mudanças mais impactantes.

Esta mudança em direção a atividades menos prejudiciais para o ambiente pode por vezes desfavorecer os grupos sociais com rendimentos mais baixos. É por isso fundamental a concretização de modelos de economia circular que contribuam para uma gestão eficiente dos recursos e para a exploração de novas oportunidades na economia.

O tema é, se não fraturante, pelo menos gerador de aceso debate político e social, desde logo face à perceção generalizada de iniquidade dos sistemas de tributação ambiental – a curto prazo, os impostos verdes tendem a afetar mais fortemente as famílias com menos rendimentos e os pequenas empresas e negócios –, e devido à difícil gestão da dicotomia ambiente / competitividade, numa União Europeia que muitas vezes não consegue ou não pode harmonizar.

Dados recentes da OCDE mostram que em Portugal os “impostos verdes” representam 2,64% do produto interno bruto, valor acima da média Europeia – 2,34% -, de Espanha – 1,83% – e muito acima, por exemplo do vizinho (e por isso relevante) Marrocos – 0,69%. A percentagem assumida pela tributação ambiental no conjunto dos impostos arrecadados corresponde em Portugal a 7,45%, superior também à média Europeia – 6,31% -, a Espanha – 5,26%, e a Marrocos – 2,51%.

Uma das conclusões mais interessantes dos estudos promovidos pela OCDE relativamente à tributação da energia produzida através de combustíveis fósseis, é a de que em 44 países da OCDE e nos países que compõem o G20, 70% das emissões de gases com efeito estufa geradas pelas fontes de energia poluente não são sujeitas a qualquer tributação.

É este Orçamento do Estado reflexo da adoção das políticas ambientais necessárias ao atingimento das metas a que Portugal se propôs e a ferramenta capaz de motivar os agentes económicos e os contribuintes para a sustentabilidade do planeta, enquanto instrumento de política económica orientador de comportamentos dos contribuintes, penalizando uns e incentivando outros?

Ou está a fiscalidade ambiental apenas a representar o papel de bode expiatório para o aumento dos impostos e, indiretamente, para a situação de superavit orçamental, tirando palco à desejada neutralidade fiscal que se concretiza na efetiva promoção da proteção do ambiente e no aproveitamento da receita fiscal aumentada para a diminuição de outros impostos?

A despesa total consolidada para 2020 do Programa Ambiente e Ação Climática, que incorpora o Orçamento do Estado, fixa-se em € 2 761 milhões, representando um crescimento de 12,8% face a 2019.

Este aumento da despesa reflete, nomeadamente i) a criação do “cluster” do lítio e da indústria das baterias e lançamento de concursos públicos para a prospeção de lítio, ii) uma verba de € 172 milhões para proteção civil e luta contra incêndios, iii) uma verba de € 29 milhões para apoio à agricultura biológica, iv) um valor atribuído ao Ministério do Mar de € 134,1 milhões (mais 76,1% face a 2019), e v) a autorização legislativa para aplicar taxas reduzidas de IVA nos consumos mais baixos da eletricidade.

No setor dos transportes, de salientar que se prevê que o montante das receitas a consignar ao Fundo Ambiental para o respetivo financiamento nos transportes públicos é de € 129 milhões no âmbito do “Programa de apoio à redução tarifária nos transportes públicos”.

É criado o Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte Público (PROTransP), com vista à descarbonização da mobilidade e à promoção do transporte público – o valor anual da dotação é de até € 15 milhões.

O financiamento do PROTransP é assegurado através da verba consignada ao Fundo Ambiental decorrente da eliminação gradual das isenções de ISP e respetivo adicionamento sobre as emissões de CO2.

O Orçamento do Estado vem ainda prever um conjunto de outras medidas com impacto direto nos bolsos dos contribuintes:

Incentivo à aquisição de carros elétricos – Mantém-se o valor do incentivo à aquisição de carros elétricos – € 3 000 (pessoas singulares) e € 2 250 (empresas) -, reforçando-se a dotação do Fundo Ambiental para este efeito de 3 para 4 milhões de euros (em 2019 a verba disponível para este incentivo esgotou antes do final do ano).

IVA incorrido em viaturas elétricas ou híbridas plug in – O Governo propõe alterar o Código do IVA de forma a permitir a dedução do IVA suportado nas despesas com energia elétrica adquirida para veículos elétricos e híbridos plug in.

IVA reduzido na eletricidade em função do consumo – O Governo fica autorizado a criar escalões de consumo de eletricidade baseados na potência contratada, aplicando aos fornecimentos com potência contratada de baixo consumo as taxas reduzida ou intermédia (6% e 13%, respetivamente, no Continente). Esta medida pretende atingir a redução dos custos associados ao consumo da energia, mitigando os impactos ambientais que decorrem de consumos excessivos de eletricidade.

A medida depende ainda do aval de Bruxelas, onde se encontra a ser avaliada pelo Comité do IVA.

IRS | Dedução ambiental – Prevê-se uma autorização legislativa para a criação de uma dedução à coleta do IRS, com limite máximo de € 1 000, de despesas incorridas com a aquisição de unidades de produção renovável para autoconsumo – painéis solares – e aquisição de sistemas de aquecimento com elevada eficiência energética.

Passes sociais – As importâncias suportadas pelas empresas com a aquisição de vales de transporte público coletivo em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares, passam a ser considerados como custo dedutível em 130%.

Por sua vez, o montante correspondente à atribuição dos referidos passes sociais aos trabalhadores não é considerado rendimento do trabalho dependente na esfera dos mesmos, não sendo, por isso, sujeito a IRS.

Tributação autónoma – Deixam de beneficiar de redução das taxas de tributação autónoma as viaturas ligeiras de passageiros movidas a gases de petróleo liquefeito (GPL).

ISV – Apresenta novos escalões reformulados no que que se refere à componente ambiental (emissões de CO2).

ISP – Prevê-se o agravamento do imposto sobre determinados produtos petrolíferos e energéticos utilizados na produção de eletricidade, eletricidade e calor ou gás de cidade, nomeadamente carvão, fuelóleos e gás de petróleo e outros hidrocarbonetos gasosos.

A estes produtos não se aplica a taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2, nos casos em que sejam utilizados em instalações abrangidas pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).

Embalagens de uso único – O Governo fica autorizado a criar uma contribuição que incida sobre as embalagens de uso único para refeições, adquiridas em refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e takeaway ou com entrega ao domicílio. Esta medida é implementada com o intuito de promover a economia circular.

O encargo económico da contribuição deve recair sobre o adquirente final, devendo ser discriminadas positivamente as embalagens que incorporem material reciclado.

As receitas da contribuição são consignadas total ou parcialmente ao Fundo Ambiental para aplicação preferencial em medidas no âmbito da economia circular.

Considerando o resumo apresentado, e no que à fiscalidade estrita diz respeito, assiste-se de facto a uma tendência para o alargamento dos níveis sectoriais de ação ambiental sujeitos a tributação ou a um tratamento fiscal mais favorável, resultante de uma perceção da necessidade de intervenção estrutural alargada e não apenas ao nível da penalização fiscal imediata.

Muito ficará por fazer no caminho do desenvolvimento de uma economia de impacto ambiental tendencialmente neutro, nomeadamente na exploração do potencial da bio-economia. Esta envolve a aposta em soluções tecnologicamente inovadoras que Portugal ainda não desenvolveu e que não se encontram contempladas no Orçamento do Estado para 2020.