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Oito anos depois da queda do BES. Uma resolução polémica que acabou bem

Às 22h45 de domingo, 3 de Agosto de 2014, Carlos Costa, então Governador do Banco de Portugal, falou ao país e anunciou a medida de Resolução que ditou o fim do Banco Espírito Santo (BES).
3 Agosto 2022, 16h40

Faz esta quarta-feira oito anos que caiu o banco centenário da emblemática família Espírito Santo. Era a última pedra a cair de todo um edifício do Grupo Espírito Santo que ruíra por perdas ocultas e endividamento excessivo. Os lesados foram muitos e espalhados por todos os cantos do mundo e ainda hoje se fazem ouvir em manifestações, protestos, ações judiciais e comunicados.

Às 22h45 de domingo, 3 de agosto de 2014, Carlos Costa, então Governador do Banco de Portugal, falou ao país e anunciou a medida de Resolução que ditou o fim do Banco Espírito Santo (BES).

Com um discurso solene Carlos Costa disse “o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje [3 de agosto de 2014] aplicar ao Banco Espírito Santo SA uma Medida de Resolução. A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo denominado de Novo Banco devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”.

Mais tarde verificou-se que afinal não tinha sido suficiente essa expurga de ativos problemáticos, já que havia mais para retirar. Pois no fim de 2015, o Banco de Portugal toma um conjunto de decisões que completam a medida de resolução aplicada ao BES, nomeadamente a polémica retransmissão para o BES da responsabilidade pelas obrigações não subordinadas do banco e que foram destinadas a investidores institucionais, apresentando uma denominação mínima de 100 mil euros.

O montante nominal das obrigações retransmitidas para o BES foi de 1.941 milhões de euros e correspondia a um valor de balanço de 1.985 milhões. Desta medida resulta, em termos líquidos, um impacto positivo para o capital do Novo Banco de cerca de 1.985 milhões de euros.

Esta retransmissão de obrigações afetou-lhe a credibilidade internacional tornando-o um triplo C no rating da Moodys. Hoje já está em B e com Outlook positivo.

Era um domingo de um Agosto quente quando o Banco de Portugal anunciou que tomou controlo do BES e fez a separação da instituição num banco mau (‘bad bank’), que concentra os ativos e passivos tóxicos, e num ‘banco bom’, o chamado Novobanco, que reúne os ativos e passivos não problemáticos, como era o caso dos depósitos, e que nasceu com um capital de 4,9 mil milhões de euros do Fundo de Resolução bancária.  O Novobanco nasce com um rácio de capital CET1 de 9,2%, quando na altura o mínimo era de 8%.

A medida de resolução criava duas entidades: o “BES mau”, que deixou de poder operar, onde ficavam os activos e passivos considerados “tóxicos”, e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os activos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução.

O que levou à Resolução?

A 30 de julho de 2014 o Banco Espírito Santo, então liderado por Vítor Bento, apresentara um prejuízo de 3,57 mil milhões de euros relativo ao primeiro semestre de 2014.

Com isto o BES apresentou um rácio de solidez financeira abaixo do mínimo exigido pelo Banco de Portugal, apesar do aumento de capital que tinha sido feito em maio de 1.045 milhões, ainda liderado por Ricardo Salgado.

Sempre que um banco deixa de cumprir os rácios de capital a que está obrigado, o BCE lança um procedimento para retirar o estatuto de contraparte, que lhe permite aceder ao financiamento de Frankfurt, mas em geral é dado um período para o banco se recapitalizar.

Na impossibilidade de o banco cumprir esta exigência, entra num processo de emergência, sendo determinada a suspensão da instituição do acesso às operações de política monetária.

A constituição de provisões com o objectivo de “fazer face à exposição perante as empresas do Grupo Espírito Santo”; o impacto da exposição ao BESA e o esquema Eurofin justificaram a maioria das imparidades e contingências que somaram 4.253,5 milhões de euros que levaram o BES àquela situação de insolvência/descapitalização.

Nesse semestre tinha sido detectado o esquema de circularização de obrigações emitidas pelo Banco Espírito Santo (BES), em que esteve envolvida a Eurofin, com mais-valias para sociedade e as correspondentes menos-valias, perdas, para o BES concretizadas no ato de recompra destes títulos, que o banco adquiria por um valor muito mais alto do que o registado no balanço e antes do prazo da maturidade desta dívida. O reconhecimento total destas perdas imposto pelo auditor e pelo Banco de Portugal obrigou a constituir provisões de 1.300 milhões de euros que precipitaram a queda do banco.

O Banco de Portugal reúne-se então em reunião extraordinária a 3 de agosto de 2014. Na ata dessa reunião, o BdP refere que o BES estava numa “situação de grave insuficiência de liquidez” nas vésperas de ter sido resgatado e que, “desde o fim de junho até 31 de julho, a posição de liquidez do BES diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros”.  Por isso, o banco “viu-se forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA – Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, a 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros”.

A entidade liderada por Carlos Costa diz mesmo que, face à “pressão sobre a liquidez do BES”, o banco não tinha capacidade para acomodar essa insuficiência “através de fundos próprios obtidos em operações de política monetária”. Isto porque o BES já não tinha ativos para dar como contrapartida do financiamento que pedia ao Banco Central Europeu, os quais servem como garantia ao reembolso desse crédito. Também a “limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária” obrigou o BES a recorrer à linha de crédito de emergência.

O BCE “ponderou e equacionou a retirada do estatuto de contraparte ao BES, intenção que comunicou ao BES e ao BdP, o que, a ser concretizado, equivaleria ao colapso do banco devido à obrigação daí resultante de este devolver de imediato a ELA [assistência de liquidez de emergência] no valor de 10 mil milhões de euros”.

O Novobanco foi vendido em 2017 à Lone Star, numa operação que exigiu pesados compromissos do Estado português. Uma vez que em Agosto de 2016 era um banco que tinha falhado uma venda em 2015 a qual se seguiu uma retransmissão de obrigações que lhe afectava a credibilidade internacional tornando-o um triplo C no rating da Moodys. Estava envolvido numa polémica com os lesados do BES que se manifestavam com regularidade na sede do banco, estava envolvido num processo de despedimento coletivo que o havia levado à Assembleia da República e apresentava contas com reservas. Estava a 12 meses de uma liquidação forçada.

Oito anos depois, o Novobanco que nasceu das cinzas do BES é um banco lucrativo centrado no mercado português, tendo vendido toda a sua carteira de participações estrangeiras, na sequência do acordo com a Direção da Concorrência da Comissão Europeia e mantém mais de metade do balanço em crédito a empresas tornando-o no único banco com estas características entre os cinco maiores a operar em Portugal.

Este semestre apresentou um resultado positivo de 266,7 milhões de euros, que compara com 137,7 milhões de euros na primeira metade do ano passado. Já são seis trimestres seguidos de resultados positivos. Tem um rácio de malparado de 5,4% e um rácio de capital core de 11,8% mas com potencial para crescer para os 12%.

Pelo caminho fica a limpeza de mais de 10 mil milhões de crédito tóxico e de mais 1,9 mil milhões de imóveis de recuperação de crédito, ainda que com uma ajuda de 3,4 mil milhões de euros do Fundo de Resolução.

O banco ainda aguarda a confirmação do fim do seu estatuto de restruturação por parte da Comissão Europeia.

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